O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sábado, 16 de abril de 2011

Fabio Weintraub na Virada Cultural


Hoje, 16 de abril de 2011, fala na Casa das Rosas o poeta Fabio Weintraub. Frederico Barbosa vai entrevistá-lo, bem como a João Bandeira. Trata-se de mais um evento da Virada Cultural em São Paulo.
Eu descobri sua poesia, antes de conhecê-lo pessoalmente, com Novo endereço (São Paulo: Nankin, 2002), que em 2004 receberia uma edição bilíngue português/espanhol devido ao prêmio Casa de las Américas (que recebeu em 2003). A tradutora foi a cubana Lourdes Arencibia Rodriguez.
Nesse livro, é impressionante o cruzamento que foi alcançado entre as esferas pública e privada. A intimidade está presente nessa poesia lírica, mas o poeta não finge que está fora do mundo. "Pai", por exemplo, começa assim:

Desempregado há três anos
no país do futuro

Batendo perna nas ruas
com o mostruário de meias

Adivinhando
o signo da morena
o ascendente da loira

O antiufanismo é indissociável desse retrato familiar.
Nesses cruzamentos do privado e do público, vemos retratos urbanos de uma carga emocional intensa. O jantar estava posto, mas o familiar não voltou: o taxista que rodava à noite foi assaltado e morto no poema "Por trás". O título designa a trajetória da bala:


Alguém disse que no caixão
ele tava bonito
Tava não

Repuxando o rosto
o tiro na cervical
varou a jugular
o esvaziou pela boca

Essa trajetória da bala também representa uma poética: o tiro que faz a boca confessar toda a vida.
Baque, de 2007, me parece radicalizar esse projeto. As deformidades do corpo relacionam-se diretamente aos bloqueios no espaço público (em outro poeta contemporâneo, Eduardo Sterzi, esse problema também renderia um livro: Aleijão, de 2009). Vejam esta passagem de "Estirpe":

os que entrevados fogem
com grande velocidade
os que amarram sobre os olhos
lenços ensanguentados
os que em frente às igrejas
espojam-se nus
os que afirmam ter sido roubados
os que pedem apenas o necessário
para inteirar a passagem

Estes são os personagens desta poesia, que a todo momento podem ser objetos de violência:

É fustigado nos albergues
nos hospitais públicos
e posto na rua a pontapés
quando o amor recupera a visão

O livro termina com o notável "Transplante", que possui o tema do transplante de rosto - provavelmente singular na poesia brasileira, mas próprio desta poesia que se dedica a uma estirpe dos sem-linhagem, cuja identidade parece a todo momento ameaçada, seja pela violência e pela loucura, seja por se terem rendido ao capital, como ocorre no engraçadíssimo "Pessoas jurídicas não odeiam":

Contraditório, e daí?
As pessoas mudam
os tempos mudam

Não sou neurótico de guerra
pra ficar defendendo
territórios já anexados

O ostracismo cansa:
se voltei ao mainstream
é porque estou vivo

Tenho 50 anos
não vou posar de herói
Quero que se foda
a coerência do criador
é a obra que importa

Não vou bancar o mártir
O Brasil está desse jeito
por ser católico, culpado e de esquerda
Vamos ser ricos, não coitados

Não sei se tem jabá:
cale a boca
ouça a música

No discurso do músico que aos 50 anos volta ao mainstream, ouvimos os urros violentos do capital, que exigem a atenção escrava da surdez.
É tarefa deste poeta quebrar tais correntes (por isso escolhi a foto acima, que dele tirei em viagem recente que fizemos).
Hoje, na Avenida Paulista, n. 37, um dos endereços da poesia em São Paulo, às 22 horas, poderemos ver Fabio Weintraub falar dessas questões ao vivo.

P.S. Para quem não está em São Paulo, pode-se vê-lo em alguns vídeos.
Filmei-o dizendo "Mais magro", de Novo endereço: http://www.youtube.com/watch?v=V4-oKfjQETU
Esta é a interessante entrevista que concedeu a Ivan Marques no programa Entrelinhas da TV Cultura, depois do lançamento de Baque: http://www.youtube.com/watch?v=ptDhmbqSy8M
Aqui, ele fala de literatura infantil, com que ele trabalha como editor: http://www.youtube.com/watch?v=8Tidg2bE9cs

2 comentários:

  1. caríssimo, gostei muito do seu post! vc toca num ponto da poesia do fábio que é justamente o que mais me chama a atenção nela, o que mais me empolga: esse cruzamento entre o público e o privado, entre o social e o íntimo, entre a lei e o desejo (ô psicanálise...), que os poemas fazem com uma sensibilidade aguda e cativante, para mim. e vc ainda começa citando "pai", que é um dos meus preferidos! aí não tenho como não concordar com vc! grande abraço do lando

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  2. Muito obrigado. "Pai" é um dos poemas que são mais conhecidos na obra dele, assim como "Mais magro". Na leitura de ontem, ele escolheu apenas inéditos, e o público pôde ter uma ideia do que possivelmente será o próximo livro.
    Abraço-o, Pádua.

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