O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Bernardo Kucinski, em 25/09, nos Encontros Literatura e Ditadura do PPG do Instituto de Letras e Artes-FURG (Desarquivando o Brasil CLXXII)


Dia 25 de agosto de 2020, às 18 horas, ocorrerá mais um debate dos Encontros Literatura e Ditadura que o Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), com coordenação da professora Luciana Coronel.
Desta vez, Bernardo Kucinski, que lançou o romance Júlia: Nos campos conflagrados do Senhor pela editora Alameda neste ano, falará. Deverei também participar evento.
Como se sabe, Kucinski, teve importante atuação no período da ditadura na imprensa alternativa, em veículos como Movimento e Em Tempo. Depois de suas obras sobre jornalismo, estreou depois dos 70 anos na literatura com o romance K., que é inspirado no sequestro e desaparecimento forçado em 1974 de sua irmã, Ana Rosa Kucinski, e do marido dela, Wilson Silva, ambos militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN). Os dois estão no anexo da Lei 9140 de 1995 na lista de desaparecidos políticos reconhecidos pelo Estado.
O livro foi um grande sucesso no Brasil e no exterior e representou uma forma de intervenção cultural no processo de produção social da justiça de transição no Brasil, especialmente no tocante às reivindicações de memória, verdade e justiça para os desaparecidos políticos.
Kucinski voltou aos temas da ditadura em Você vai voltar pra mim e outros contosOs visitantes, livro em que revisita K. e as diversas reações ao romance. Em Júlia, temos ação em dois planos temporais (marcados graficamente por letras de diferentes fontes): a da personagem-título, nos anos 1990, que busca descobrir sua própria identidade, ao descobrir por acaso que foi adotada, e de 1964 e dos anos subsequentes da ditadura, em que se destaca, de um lado, a ação de militantes da Ação Popular e, de outro, a de uma rede de traficantes de crianças.
Kucinski, quando escreveu a história, desconhecia que filhos de militantes políticos fossem sequestrados no Brasil e dados ou vendidos a outras famílias para criarem. Na Argentina, houve diversos casos desse tipo, e o trabalho de identificação dos sequestrados continua até hoje. O recente livro de Eduardo Reina, Cativeiro sem fim: as Histórias dos Bebês, Crianças e Adolescentes Sequestrados Pela Ditadura Militar no Brasil, que a Alameda publicou em 2019, comprova a prática na ditadura militar brasileira.
O debate poderá ser visto por meio destas ligações:

sábado, 12 de setembro de 2020

"Não se trata de impeachment, / mas desratização dos palácios"



I

Não se trata de impeachment,
mas desratização dos palácios.


II

O país encerrado em cinza.

A onça com as patas em chama,
não sabemos até que ponto caminhará.

Talvez chegue mais longe
do que o país incendiário.


III

Não há nada a ser feito. A fumaça envolve tudo.
Esperar que o fogo se canse
e se encerre sob a terra.

O ecoturismo, ou o forte da região,
os visitantes procuram espécies endêmicas, monstruosas:
os filósofos que sustentam que o impeachment só deve ser usado quando indevido,
os pastores que anunciam o messias no milagre da eleição do peculato,
os jornalistas que anunciam que genocídio, desertificação, corrupção, incêndio, assassinato político,
apologia ao trabalho escravo e doação paga do país aos estrangeiros,
nada disso é motivo para impeachment,
tudo não passa de constitutional hardball
se o governante não é de esquerda.

A cada momento que o vento mudar,
as faíscas ocultas podem voar até você,
o fogo envolvê-lo inteiro
como o capital.


IV

O sacrifício da onça 
das patas queimadas;

antes sacrificar o país do que uma onça,

embora talvez a morte dela
seja o anúncio do fim do país.


V

Não basta impeachment,
mas a explosão de palácios.

Cupins não adiantariam,
o palácio é tanto mais vasto
quanto mais oco.

Os animais tentam passar meio cegos
pelas áreas em brasa;
morrem com as patas queimadas.

A explosão dos palácios
fecharia os braços da fumaça,
abriria os olhos dos animais.


VI

As patas em chama da onça
pisam sobre o país,
incendeiam-no.

Para andar neste país
é necessário imitar o fogo.

O que foi encerrado com a cinza?
O calor? As águas? Não
a fome.


VII

Uma arquitetura inspirada em tocas de ratos.
Uma política plagiadora
não exatamente da arquitetura que copiou as tocas de ratos,
mas da falta de saneamento
e redes de esgoto
das tocas de ratos.

Na garatuja ininteligível
dos planos que previram a falta de esgoto e saneamento
de tocas de ratos
abriga-se todo o governo.

Bombas apenas não serão suficientes
para demolir a falta.


VIII

A onça vive.

Seus dentes têm chamas.