O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Carlos Nelson Coutinho e a democratização como valor universal

Gosto muito de Carlos Nelson Coutinho (1943-2012). Para mim, foi uma surpresa sua morte aos 69 anos ontem, dia 20 de setembro. Eu demorei para lê-lo. Ainda me lembro quando, no mestrado, falei de Carlos Nelson e meu orientador, Ronaldo do Livramento Coutinho, perguntou qual; eu pensava no urbanista Ferreira dos Santos; ele, no marxista Coutinho, que eu não conhecia. A partir de então é que fui me informar.
Gostei deste obituário escrito por Luiz Sérgio Henriques: http://correiodobrasil.com.br/carlos-nelson-coutinho-1943-2012/518354/#.UFv2m1HpiSo Ele conta da militância do autor no PCB, do exílio, dos livros, até aderir ao PSOL, depois de ter criticado o PT. Já Maurício Caleiro destacou uma conferência e uma entrevista do autor, que também indico: http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com.br/2009/04/carlos-nelson-coutinho-na-globo-news.html
Porém, para quem ainda não o leu, talvez seja mais interessante começar pela entrevista que concedeu, em 2009, à revista Caros Amigos, que está disponível na internet:
http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/politica/2513-carlos-nelson-coutinho-leia-entrevista-na-integra
Chamo a atenção para a resposta sobre famoso trabalho de 1979, "A democracia como valor universal". Ele diz que deveria alterar para "democratização como valor universal", pois a democracia seria, antes de tudo, um processo de "plena socialização do poder político", sem se identificar com as instituições que historicamente assume. Essa plena socialização só poderia ocorrer no socialismo, pois, na sociedade de classes, a igualdade formal é sempre limitada pelas desigualdades materiais. Conclui Coutinho: "Então, eu diria que sem democracia não há socialismo, e sem socialismo não há democracia."
Aquele artigo causou grande impacto quando surgiu, pois boa parte da esquerda não era democrática (ou pregava o "centralismo democrático"...) e espantou-se com o elogio a certas liberdades que muitos viam como meramente "burguesas".
Esse artigo também está disponível na internet:
http://www.danielherz.com.br/system/files/acervo/ADELMO/Artigos/A%2BDemocracia%2Bcomo%2BValor%2BUniversal.pdf
Eu o citei em um trabalho que ainda tenho que rescrever, tendo em vista os documentos que encontrei depois, sobre o pensamento político da VAR-Palmares - grupo clandestino de esquerda responsável, entre outros feitos, pelo roubo do cofre de Ademar de Barros, e que se fracionou (destino de todos esses grupos) e acabou sendo destruído pela repressão política no início dos anos 1970. Dele fizeram parte Iara Iavelberg (http://www.torturanuncamais-rj.org.br/MDDetalhes.asp?CodMortosDesaparecidos=80), Lamarca (estes dois, por um breve período) e também Dilma Rousseff.
Nos interessantes documentos da Vanguarda Armada Revolucionária, não havia essa perspectiva da democratização como valor universal - mas tampouco nos de outros grupos, pelo que estudei até agora. Tratava-se de um problema teórico e político da época, como explicou Carlos Nelson Coutinho. Gramsci poderia ter ajudado a pensar na relação entre socialismo e democracia, porém ainda era pouquíssimo conhecido no Brasil. No meu esboço de artigo, ainda inédito, há esta passagem que cito agora:

No âmbito do pensamento marxista brasileiro, já no governo do General Figueiredo, Carlos Nelson Coutinho o fez, ao apontar em 1979 a necessidade de organização dos sujeitos coletivos de base, com respeito a sua autonomia e diversidade e a incorporação das massas ao sistema político, repensando o legado teórico de Marx e Engels.[i]
Coutinho defendeu que o pensamento de Gramsci poderia ser utilizado para a reavaliação da democracia e do socialismo no Brasil; porém, o grande pensador italiano não era realmente conhecido no Brasil antes da década de sessenta, e a fraqueza teórica do marxismo brasileiro fazia com que os manuais stalinistas, até aquela década, fossem a principal fonte teórica.[ii]


[i] COUTINHO, Carlos Nelson. “A democracia como valor universal”, In: LÖWY, Michael (org.), O marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais, 2ª. ed., São Paulo: Fundação Perseu Abramo, p. 447-454, 2006.
[ii] COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político, 3ª. ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 281-282.
Como ele escreveu já em 1979, a democracia não deve ser vista como algo com valor meramente tático, instrumental, pelos socialistas: "Essa visão estreita se baseia, antes de mais nada, numa errada concepção da teoria marxista do Estado, numa falsa e mecânica identificação entre democracia política e dominação burguesa." (p. 34) No artigo, Carlos Nelson Coutinho defende a necessidade de articulação entre a democracia representativa e a democracia direita, afirmando que essa ideia "já faz parte do patrimônio teórico do marxismo" (p. 38).
Ele foi, devemos reconhecer, um dos autores que enriqueceu esse patrimônio.


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Campanha de defesa do Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Cumpriu-se mais um capítulo do que escrevi em nota recente, "Terra sem lei VI e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos" (http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/08/terra-sem-lei-vi-e-o-sistema.html), isto é, da campanha de governos de esquerda da América Latina contra o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
Para que não restasse dúvida sobre a posição do governo venezuelano, ele realizou a denúncia da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (o Pacto de São José da Costa Rica) em dez de setembro de 2012, conforme este comunicado à imprensa do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza, que lamentou o nefasto acontecimento:

El Secretario General de la OEA lamenta la decisión adoptada por el gobierno de la República Bolivariana de Venezuela, de denunciar este instrumento jurídico, uno de los pilares de la normativa legal que ampara la defensa de los derechos humanos en el continente.
El Secretario General manifestó su esperanza de que en el año que debe transcurrir para que dicha decisión se haga efectiva, como lo establece el Art.78, el gobierno de la República Bolivariana de Venezuela pueda reconsiderar su decision.
Denúncia, neste caso, não significa a comunicação de um crime (mesmo que se considere, não em sentido técnico, criminosa a atitude do governo Chávez). No direito internacional, trata-se do ato pelo qual uma parte deixa um tratado internacional.
Aqui, pode-se ler a nota da própria Comissão Interamericana, explicando as consequências jurídicas da denúncia do tratado: http://www.oas.org/es/cidh/prensa/comunicados/2012/117.asp  A competência da Comissão em relação à Venezuela continua, mas não a da Corte. O grave problema para o país que disso decorre é o fato de a independência do Judiciário daquele país estar comprometida, situação que a Comissão tem denunciado. Um dos problemas é a existência de juízes sem estabilidade, que podem ser removidos ou suspensos livremente, tornando o Judiciário singularmente sujeito a pressões:

128. En su Informe sobre Venezuela de 2003 la Comisión estableció que los jueces provisionales son aquellos que no gozan de la garantía de estabilidad en el cargo y pueden ser removidos o suspendidos libremente, lo que podría suponer un condicionamiento a la actuación de estos jueces, en el sentido de que no pueden sentirse jurídicamente protegidos frente a indebidas interferencias o presiones provenientes del interior o desde fuera del sistema judicial. La Comisión señaló que un alto porcentaje de jueces provisionales afectaba seriamente el derecho de la ciudadanía a una adecuada administración de justicia y el derecho del magistrado a la estabilidad en el cargo como garantía de independencia y autonomía en la judicatura. [Informe 171, de 3 de novembro de 2011, do Caso Allan R. Brewer Carías. http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/12.724FondoEsp.pdf]
No momento dessa informe, 44% dos juízes eram "provisionales", ainda não eram titulares. No caso citado, o juiz Manuel Bognanno foi suspenso depois de ter ordenado (sua decisão foi descumprida, por sinal) que o réu, o advogado constitucionalista Brewer Carías, tivesse acesso aos autos do processo... Dessa forma, a Venezuela reedita Kafka e coleciona condenações em virtude do desrespeito às garantias judiciais, nos casos Apitz Barbera e outros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”, de 2008), Reverón Trujillo (2009), Chocrón Chocrón (2011). O governo autoritário que submeteu seu próprio Judiciário quer rumar, portanto, para um caminho de tranquila impunidade internacional.
O Estado brasileiro também está participando da sabotagem ao Sistema Interamericano, como escrevi naquela nota, o que se reflete nas ações tomadas em represália à cautelar no caso de Belo Monte (http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/02/o-impacto-do-brasil-contra-o-sistema.html) e no descumprimento da condenação no caso Araguaia (http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2011/12/cumpra-se-ato-pelo-cumprimento-da.html).
No entanto, ocorre também a reação contra essas tentativas oficiais. O Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) lançou campanha pela defesa do Sistema Interamericano no dia 11 de setembro, em Bogotá:
http://cejil.org/comunicados/es-hora-de-defender-el-sistema-interamericano-de-derechos-humanos

É interessante verificar que ela já foi assinada por ex-presidentes (http://cejil.org/sites/default/files/2012_09_11ComunicadoDeclaracionBogotaFinal-1.pdf). Nenhum deles é brasileiro, como era de se esperar. No tocante a Collor e Sarney, suas difíceis relações com os direitos humanos não lhes permitiram pensar nessa hipótese. Lula contrariaria Dilma em matérias (Belo Monte e Araguaia) em que ela continua o legado de seu predecessor? Talvez Fernando Henrique Cardoso o faria, por estar na oposição e ter feito o reconhecimento da da jurisdição da Corte em 1998? Provavelmente não: lembro que ele se manteve fiel ao ditador japonês do Peru, Fujimori, apesar das condenações que este sofreu na Corte, desprestigiando-a.
Fujimori, por sinal, em 1999 deixou de reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Chávez, em 2012, realizou algo pior.
Quanto ao ditador eleito do Peru, o internacionalista brasileiro Cançado Trindade, então naquela Corte e, hoje, na Corte Internacional de Justiça, lembrou, em entrevista dada a Jayme Benvenuto, como foi crítico o momento:


O maior desafio que enfretamos até hoje foi o relativo à rebeldia do Governo Fujimori, a partir do caso Castillo Petruzzi (maio de 1999). Por razões de ordem política interna, o ex-Presidente Fujimori pretendeu "retirar" o instrumento de aceitação da jurisdição obrigatória da Corte com "efeitos imediatos". Quando assumi a Presidência da Corte aos 16 de setembro de 1999, herdei este problema. Nossa reação foi firme. No dia 24 de setembro de 1999 (o dia mais dramático de toda a história do Tribunal), emitimos nossas duas Sentenças sobre competência, nos casos do Tribunal Constitucional e de Ivcher Bronstein, declarando inadmissível a pretendida "retirada" do Estado peruano da competência contenciosa da Corte, com "efeitos imediatos".
A Corte deixou claro que sua competência não poderia estar condicionada por atos distintos de suas próprias atuações, e que, no presente domínio de proteção, as considerações superiores de ordre public internacional, somadas à especificidade dos tratados de direitos humanos, e ao caráter esencialmente objetivo das obrigações que consagram, certamente primam sobre restrições indevidamente interpostas e adicionais às manifestações originais do consentimento estatal, e sobre a concepção tradicional voluntarista do ordenamento jurídico internacional. [Direitos Humanos: debates contemporâneos, 2009, p. 110, disponível em http://www.unicap.br/catedradomhelder/pdf/ebookDebatesContemporaneos.pdf]

Pouco depois, cada vez mais isolado (apesar do apoio dado pelo Brasil), o ditador cairia. Ressalto que, enquanto ainda se discutia se o regime fujimoriano era democrático ou não, foram a Comissão e a Corte Interamericanas que desnudaram, com suas decisões, o caráter autoritário do regime, em razão das contínuas e programadas violações dos direitos humanos. Dessa forma, continuo a lamentar (faço-o desde 2001: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/06/o-golpe-no-paraguai-e-carta-democratica.html) que a Carta Democrática Interamericana permaneça sem conexão com aqueles órgãos, que ainda são, na OEA, os que mais eficazmente atuam na defesa da democracia.

Para defendê-los, lembro que a Declaração de Bogotá, que pode ser lida nesta ligação (http://cejil.org/sites/default/files/2012%2009%2011%20DECLARACI%C3%93N%20DE%20BOGOTA-1.pdf), continua aberta a assinaturas. Para assiná-la, deve-se enviar nome, profissão ou cargo para difusion@cejil.org com o assunto "Declaración de Bogotá".


P.S.:  Em uma conversa (pelo twitter) com um governista que se apresentou como pós-graduando em geografia, recebi o argumento de que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (que não seria nada mais do que um instrumento do imperialismo dos EUA, e por isso teria decidido contra o Estado brasileiro em certos casos), foi uma das forças que estava por trás do golpe militar de 1964.
Confrontado com a evidência de a Corte somente foi criada em 1979, simplesmente replicou que os EUA eram capazes de coisas de que nem suspeitaríamos!
Da mesma forma, o oficialismo é responsável por atentados à inteligência insuspeitados.

P.S.2: Em momento talvez de hipocrisia ou, quem sabe, de desespero, aventa-se que os réus do chamado mensalão recorreriam à OEA para defender-se de condenações no Supremo Tribunal Federal: http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/79676/Lula-estuda-ir-%C3%A0-OEA-para-defender-os-r%C3%A9us-Lula-estuda-ir-OEA-para-defender-r%C3%A9us.htm
Considerando os atentados que o atual governo federal, do PT, vem realizando contra o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, é curioso que políticos do partido no poder queiram agarrar-se a recursos que esse mesmo partido tenta demolir.

domingo, 16 de setembro de 2012

Kátia Abreu, os Toynbees e a esterilidade da inteligência agrícola

A senadora Kátia Abreu, sólida aliada do governo federal, publicou em 15 de setembro de 2012, na Folha de S.Paulo, interessantíssimo artigo com o significativo título "Arcaico e moderno" - quase o binômio da modernização conservadora da qual a latifundiária e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) é um dos próceres.
O artigo reivindica para a autora e a agricultura brasileira (na verdade, o agronegócio) a modernidade, a preservação ambiental, e o aumento da produtividade por meio da tecnologia. O "moderno deve assimilar o arcaico e torná-lo disfuncional e necessário." O moderno chama-se a tecnologia que, permitindo os ganhos de produtividade, levará à baixa de preços nos alimentos, alegadamente fazendo com que as famílias, rurais e urbanas, vivam melhor no Brasil.
A história idílica contada pela nobre representante do Estado de Tocantins poderia ser desmentida com as notícias e pesquisas sobre violência no campo, fortemente ligada à expansão da fronteira agrícola; com os efeitos perversos dessa tecnologia para o meio-ambiente e para a saúde; com o alargamento do agrobanditismo e suas vítimas na população rural e nas comunidades indígenas etc. Mas não tratarei disso, e sim das referências intelectuais da escritora e latinfundiária.
A colunista da Folha termina o texto, após estranha citação que comentarei, afirmando que a "inteligência agrícola brasileira" é bem sucedida, "respeitando a parte intocável do nosso território e mantendo fértil a parte que cultiva". Isso seria "muito mais do que qualquer grande visionário de um mundo justo possa aceitar ou compreender."
Não sou visionário nem grande, mas também não consigo compreender a estranha frase. Entendo que este grande nome do PSD esteja a dizer que todos os esforços da bancada ruralista para anistiar crimes ambientais e ampliar as possibilidades de desmatamento foram e são, na verdade, para nada, eis que o agronegócio estaria só estaria a cultivar a área já cultivada, respeitando a "parte intocável" do país. Desmatamento zero no Brasil!
Como seria impensável que a nobre presidenta da CNA estivesse a mentir publicamente, o que se pode fazer é admirar tais ousadas visões do futuro. Ela, sim, é uma grande visionária: poucos ousam pedir o desmatamento zero no país, e ninguém chega a ver que ele já estaria ocorrendo, em uma espécie de harmonia emudecedora do canto do uirapuru com os sons da serra elétrica.
Visões à parte, é estranho que a senhora Abreu contraponha a "inteligência agrícola" (estranho conceito: será que sojas transgênicas já têm cérebro?) a um "mundo justo". A justiça seria incompatível com a inteligência (audaz afirmativa que desafiaria milênios do pensamento humano), ou, mais modestamente, com a inteligência da senadora? Escapa-me a resposta.
Imagino que frankfurtianos logo dirão que o contínuo louvor à modernidade tecnológica feito pela colunista e senadora não é nada mais do que um exemplo do uso da razão instrumental contra a razão crítica. De fato, nunca vi este nome do PSD tentar usar Adorno ou Horkheimer em favor de suas teses desenvolvimentistas.Seria demasiado incoerente.
No entanto, vi, com grande espanto, que a nobre senadora, pouco antes do triunfo da inteligência agrícola sobre as visões de um mundo justo, invocou em seu favor o nome de Arnold Toynbee (o economista e tio do historiador Arnold J. Toynbee). Pareceu-me, porém, que ela não o conhece muito profundamente. Eu tampouco, mas sei que Toynbee estava preocupado com as condições do trabalhador na Inglaterra, o que incluía a situação do campo.
Em suas Preleções sobre a Revolução Industrial do século XVIII na Inglaterra (Lectures on the Industrial Revolution of the 18th Century in England, parcialmente disponíveis nesta ligação: http://socserv2.socsci.mcmaster.ca/econ/ugcm/3ll3/toynbee/indrev), a preocupação com a justiça distributiva é central. Toynbee explica como os cercamentos no campo, a concentração de terras e a introdução de novas tecnologias levaram a uma "grande revolução social, uma mudança na balança de poder e na posição relativa das classes." Os fazendeiros aumentaram seu poder, e o contrário ocorreu com os trabalhadores.

Meanwhile, the effect of all these agrarian changes upon the
condition of the labourer was an exactly opposite and most
disastrous one. He felt all the burden of high prices, while his
wages were steadily falling, and he had lost his common-rights.
It is from this period, viz., the beginning of the present
century, that the alienation between farmer and labourer may be
dated.

Os efeitos dessa desigualdade social para os trabalhadores rurais e urbanos levam o autor a escrever, mais adiante, que "Os  efeitos da Revolução Industrial provam que a livre competição pode produzir riqueza sem gerar bem-estar." Em vez da confiança cega nos ganhos da produtividade e no progresso tecnológico, Toynbee analisa os problemas de concentração de renda e defende, entre outras medidas, a intervenção do Estado para a disponibilidade de moradia abaixo dos preços do mercado para os pobres.
Ademais, o que a nobre senadora escreve sobre Toynbee (a relação entre o "espírito do homem e o seu meio ambiente") parece dizer respeito não a ele, mas ao sobrinho, Arnold Joseph Toynbee, com sua teoria das civilizações. É verdade que pessoas menos ilustradas, por jamais terem lido nenhum dos dois, confundem-nos, embora o tio pertença ao século XIX e o sobrinho, ao XX (o primeiro morreu em 1883, o segundo em 1975).
Como a presidenta da CNA, colunista da Folha, nobre senadora pelo Tocantins, e um dos maiores nomes do partido criado por Gilberto Kassab, o PSD, jamais cometeria um erro tamanho, e é tão culta quanto suas terras são cultivadas, julgo que se enganou apenas na escolha de um fundamento teórico muito pouco adequado às políticas que adota, fundamento, aliás, que foi tão mal comprendido que o pensamento do economista acabou se parecendo com o do sobrinho... A genética seria tão determinante para as ideias quanto para a agricultura?
É claro que, se o erro tivesse realmente sido cometido pela miss (cuja celebrada modéstia a fez recusar o título ofertado pelo Greenpeace), ela teria que reconhecer que o sobrinho tampouco serviria para fundamentar os elevados propósitos da latifundiária. O livro póstumo de Arnold J. Toynbee, Humanidade e a Mãe Terra (Mankind and Mother Earth), termina com este apelo:

A humanidade irá assassinar ou resgatar a Mãe Terra?  Poderá assassiná-la ao usar mal sua crescente força industrial. Como alternativa, poderá resgatá-la superando a cobiça agressiva, suicida que, em todas as criaturas vivas, incluindo o homem, tem sido o preço do dom da vida, ofertado pela Grande Mãe.

Aqui: http://www.thefederalist.eu/index.php?option=com_content&view=article&id=78&lang=en  O erro seria tão curioso quanto a tentativa frustrada do uso de poeta marxista por certo empresário e político do DEM: http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/05/marxismo-para-administradores-ou.html

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Desbloqueando a cidade IX e princípio do extermínio I: os ambulantes em São Paulo

E se não houvesse mais esta atividade que historicamente habitou e conformou as ruas das cidades brasileiras, o comércio ambulante? Essa distopia (assim como outras), o prefeito Gilberto Kassab, do Município de São Paulo, tem procurado realizar.
Raquel Rolnik, em seu indispensável blogue, havia escrito sobre as indisfarçáveis tentativas da  prefeitura de São Paulo de exterminar o comércio ambulante na cidade; como ela bem escreveu, "A atitude da Prefeitura de São Paulo foi autoritária, higienista e excludente, bem na lógica da 'São Paulo para poucos'."
O também indispensável Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em 28 de maio deste ano propuseram uma ação civil pública contra a medida kassabista de acabar com as licenças para o comércio ambulante. Remeto para o histórico do caso feito pelo Centro. A juíza Carmen Trejeiro concedeu liminar favorável aos ambulantes em quatro de junho, que foi suspensa em 11 de junho pelo presidente do Tribunal de Justiça, Ivan Sartori.
A decisão de Sartori não sobreviveu ao Órgão Especial do Tribunal, em 27 de junho. Não é difícil entender a razão. Na medida em que simplesmente acabaria com aquela profissão (pois todas as licenças foram cassadas), a medida administrativa não se limitava a discipliná-la (o que estaria de acordo com a competência municipal), mas, em evidente abuso de poder, fugindo a qualquer critério de razoabilidade. A liberdade constitucional de profissão foi ferida. E por que razão essa categoria eminentemente urbana perderia o direito à cidade?
O interessante é que a lei orgânica do município de São Paulo reconhece explicitamente a legitimidade do trabalho dos ambulantes da cidade:

Art. 160 - O Poder Municipal disciplinará as atividades econômicas desenvolvidas em seu território, cabendo-lhe, quanto aos estabalecimentos comerciais, industriais, de serviços e similares, dentre outras, as seguintes atribuições:
[...]
VI - normatizar o comércio regular, o comércio ambulante por pessoa física e jurídica nas vias e logradouros públicos e a atividade mercantil transitória em pontos fixos e em locais previamente determinados sem prejuízo das partes envolvidas;
Em vez de eliminar a atividade, o poder público deveria normatizá-la, "sem prejuízo das partes envolvidas", o que obviamente inclui os ambulantes, severamente prejudicados pelo atual prefeito.

Com a inconstitucionalidade e a violação da lei orgânica, alguém poderia indagar que fundamento Ivan Sartori encontrou para tomar aquela decisão favorável à administração de Kassab. A leitura da motivação do magistrado é muito instrutiva.

O deferimento das liminares objeto do pedido de suspensão impede o desenvolvimento eficaz dessa política pública, escolha discricionária da Administração, a par de obstar a regular administração dos espaços públicos pela Municipalidade, observada a precariedade dessas permissões de uso.
Relevante salientar que a suspensão das revogações fará com que a situação irregular persista por tempo indeterminado, impossibilitando a efetivação da política pública empreendida, com prejuízo do que já se realizou.
Ademais, impõe-se a suspensão das liminares como forma de impedir o efeito multiplicador dessas demandas e de liminares equivalentes, pois de se esperar de todos os antigos permissionários, ou de quantidade expressiva deles, o ajuizamento de demandas impugnando esses atos.
Assim, sem que se afirme desde logo a legalidade do proceder governamental, o que descabe nesta sede, a lesão ao interesse e à ordem pública é inconcussa.
Pelo exposto, defiro o pedido de suspensão das liminares aludidas no relatório, até o trânsito em julgado da sentença nesses processos.
O magistrado refere-se a uma política pública de "restrição das calçadas", eufemismo bem escolhido para o que deveríamos chamar de eliminação do comércio ambulante. Nessa decisão, a legalidade não importou (a constitucionalidade tampouco), como bem escreveu Sartori; o que interessa é que o Município criou uma política pública, e o magistrado existe para apoiá-la.
Algum estudante de direito talvez estranhe a menção à "escolha discricionária", e lembre que os atos discrionários, que dependem do exame de conveniência e oportunidade do administrador público, também se submetem ao princípio da legalidade. O ato discrionário não deve ser arbitrário. Não está abrigada pela discrionariedade do administrador municipal a criação de políticas inconstitucionais que, além disso, firam a lei orgânica do Município. Essas noções básicas do direito administrativo foram olvidadas.
A ementa, estranhamente, introduz um termo que não se encontra na decisão:
Ementa: Pedido de suspensão de liminar – Ambulantes – Indispensável demonstração de que haverá grave lesão à ordem, saúde, segurança ou economia públicas – Ocorrência – Prejuízo a política pública de ordem governamental – Ingerência indevida do Judiciário – Pedido deferido.
O termo "ingerência" não foi empregado pelo magistrado no corpo do texto, mas logo se percebe que se trata da tese, bastante regressiva para o Judiciário, de que esse Poder não deve tomar decisões que acarretem prejuízos a políticas públicas. Também faltou à decisão precisar que prejuízo teria sido esse - econômico? De quanto? Não há estimativa nenhuma desse tipo de impacto, embora salte aos olhos que a supressão da atividade econômica dos ambulantes é que surtirá efeitos nocivos à economia pública, com o aumento da inatividade da população economicamente ativa e a diminuição na oferta de produtos mais baratos. Isto é, o alegado fundamento da decisão, na verdade, aplicar-se-ia contra a pretensão do Município.
É deveras notável a ausência de fundamento econômico na decisão que rejeita, em nome da economia pública, o fundamento na legalidade. Esse discurso judicial, por conseguinte, flutua sem apoio algum, sustenta-se no vácuo aparentemente isento de qualquer lei, mesmo a gravitacional.
Escrevi que a tese sartoriana era regressiva, pois ela rebaixa o papel judicial ao de referendar as políticas públicas existentes e considera "ingerência indevida do Judiciário" fazer cumprir o direito contra uma "política pública empreendida". Se o fato sustenta-se apenas na sua efetividade, isto é, se a medida administrativa deve ser mantida apenas porque foi tomada, e o juiz deve dobrar-se ao arbítrio do administrador, joga-se fora o direito, que, em sua natureza, sempre possui uma dimensão contrafática.
Lembro agora dos célebres artigos dos Federalistas, especialmente de Alexander Hamilton, que, no de número 78, defendeu a ideia dos juízes como guardiães da constituição. Partindo da noção de que o Judiciário é o mais fraco dos Poderes, por não dominar nem a espada nem os fundos públicos, e só possuir o julgamento (e depender da ajuda do Executivo para a eficácia das decisões), ele afirma que a opressão judicial contra os indivíduos ocorrerá apenas se esse poder não for independente dos outros:


It equally proves, that though individual oppression may now and then proceed from the courts of justice, the general liberty of the people can never be endangered from that quarter; I mean so long as the judiciary remains truly distinct from both the legislature and the Executive. For I agree, that "there is no liberty, if the power of judging be not separated from the legislative and executive powers." And it proves, in the last place, that as liberty can have nothing to fear from the judiciary alone, but would have every thing to fear from its union with either of the other departments; that as all the effects of such a union must ensue from a dependence of the former on the latter, notwithstanding a nominal and apparent separation; that as, from the natural feebleness of the judiciary, it is in continual jeopardy of being overpowered, awed, or influenced by its co-ordinate branches; and that as nothing can contribute so much to its firmness and independence as permanency in office, this quality may therefore be justly regarded as an indispensable ingredient in its constitution, and, in a great measure, as the citadel of the public justice and the public security.
Creio que os fatos já o desmentiram na passagem "have nothing to fear from the judiciary alone". No entanto, a lição mantém-se na questão da independência judicial. Hamilton cita, nessa passagem, Do espírito das leis, de Montesquieu, no tocante à separação dos poderes. E afirma que a salvaguarda da liberdade está comprometida se a independência do Judiciário for apenas nominal e aparente. Neste caso, pode-se até mesmo extinguir uma categoria econômica...
Isso nos leva ao problema do instituto da suspensão de segurança, que foi empregado no caso, e é uma medida de legalização da exceção no ordenamento brasileiro, criada em favor das pessoas de direito público. Ela permite que os magistrados em geral mais politicamente caracterizados, os presidentes dos tribunais, possam decidir sem qualquer fundamento legal ou constitucional, em nome de qualquer coisa, a pedido do Ministério Público e das pessoas de direito público. Afinal, praticamente qualquer coisa pode ser etiquetada como grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (condições previstas no artigo 15 da lei  nº 12.016 de 2009, no artigo 25 da lei nº 8.038 de 1990, e ainda no 4º da lei nº 8437 de 1992, que acrescenta o "manifesto interesse público" e a "flagrante ilegitimidade").
Esse buraco negro legal, em que muitos logo verão uma erupção do estado de exceção, está a servir para quem? Neste caso, para aqueles que lucram com o urbanismo higienista e desejam extinguir uma profissão popular, os ambulantes, enquanto criam outras soluções, ardentes ou não, para expulsar os pobres da cidade. Em outro, sobre que pretendo escrever (quando puder), os que lucram com o genocídio indígena.
Há um horizonte de extermínio não explicitado nessas decisões, que encontra em institutos como esse um meio ideal para ingressar no direito, tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro ainda respeita os direitos humanos.

P.S.: Walter Hupsel, a propósito de Kassab, criou nova categoria política. O prefeito não seria hobbesiano, mas tão somente um "hobbit". Mais uma contribuição da prefeitura de São Paulo para o pensamento político!
P.S. 2: O provedor encheu de propaganda este blogue e todos os outros, pelo que vejo. Algumas das palavras foram destacadas por ele, não por mim, para se tornarem links de propaganda. Dessa forma, enquanto permaneço aqui, em vez de indicar as ligações da forma como ainda fazia até a presente nota, eu o farei as separadando do corpo do texto, para que o leitor possa distinguir o que é um texto de informação do que é simplesmente propaganda informática.

sábado, 8 de setembro de 2012

Universos paralelos da educação VI: periódicos acadêmicos e clubes sociais

Visibilidade, quantificação, prestígio e verbas. Essas palavras cada vez mais associam-se às publicações acadêmicas no Brasil e relacionam-se de diversas formas, antagônicas ou não, com o problema da qualidade da produção científica.
Na área do direito, em que o ensino é geralmente fraco (os exames da OAB são apenas um dos índices que demonstram essa debilidade), a extensão é, muitas vezes, claudicante, e a pesquisa, incipiente, as publicações acadêmicas não possuem uma tradição com a mesma força de outras áreas.
As exigências do Qualis, que continuam a ser construídas, são apreendidas nessa área de forma peculiar, de forma a moldá-las a um ambiente onde há tantas vezes apadrinhamento, vassalagem, falta de reflexão crítica e fetiche por títulos, em um reflexo do mundo do fórum.
Já preenchi planilhas em excell com os dados de autores e artigos para o Qualis, pois fui editor de revista jurídica acadêmica. Nela, publiquei em ampla maioria autores externos, incluindo estudantes de pós-graduação e até mesmo graduandos, nos raros, excepcionais casos em que estes conseguiram estar à altura dos critérios de avaliação dos pareceristas. Um deles foi o Lucas Pizzolatto Konzen, um outro foi Thiago de Azevedo Pinheiro Hoshino. O que ambos estão fazendo hoje (apontando para novas promessas) apenas confirma o talento que já manifestavam - e que já deveria ser compartilhado com o público.
Menciono minha experiência, apesar de pouco notável, porque um dos itens de avaliação dos periódicos para o Qualis é a afiliação institucional, o que nos remete para o prestígio de certos programas de pós-graduação. Dessa forma, há periódicos que, ou por não confiarem em seus métodos de avaliação da qualidade do artigo, ou por acharem que o título é uma das condições necessárias da qualidade, só publicam trabalhos assinados por doutores. Um exemplo é a Juris Poiesis, da Universidade Estácio de Sá, cuja chamada de artigos se dirige aos "professores doutores integrantes do corpo docente de outros programas em Direito reconhecidos pela CAPES". Por sinal, de forma sutilissíma, a chamada destaca em caixa alta a palavra sensível, informando que se trata de uma revista ligada a um programa de pós-graduação com "mestrado e DOUTORADO em direito". O último número da revista disponível na internet no momento em que escrevo esta nota, o décimo-quarto (número anual de 2011), só possui artigos em que um dos autores (em geral, um dos coautores) é doutor.
Essas exigências podem gerar efeitos nefastos na prática? Talvez isso venha a ocorrer em alguns periódicos. Mais além do fetiche do título (ingrediente importante do bacharelismo), pode surgir algo como uma negação ao direito de nascer (academicamente), pois é comum que os programas de pós-graduação exijam que o estudante publique (para encher de dados o sistema Coleta), apesar das dificuldades que se lhe antepõem por ainda não deter o título. E, tantas vezes, esse estudante, por estar em pleno envolvimento com a pesquisa, e talvez trazer uma visão nova sobre a área, produzirá um trabalho mais original e importante para a área do que o professor doutor que sucumbiu à burocracia, à politicagem e ao marasmo. Já vi a derrota da inquietação e da inteligência ocorrer com alguns desses professores...
Uma consequência deletéria desse possível quadro é a de que esses jovens pesquisadores iniciem a carreira fazendo o aprendizado da vassalagem, tendo que aceitar a assinatura conjunta de seus orientadores, já titulados, mesmo que estes apenas tenham feito poucas ou pouquíssimas sugestões.
É claro que, se essa atitude de vassalagem é extremamente hostil à autonomia intelectual, em revanche se coaduna perfeitamente com os hábitos do meio jurídico nacional. Dessa forma, a universidade, que poderia ser crítica a esse meio jurídico e contribuir para modificá-lo, passa apenas a reproduzi-lo, pouco importando o discurso apregoado nas revistas acadêmicas: o modo de produção dos periódicos, com seus tráficos de prestígio, irá negar esse discurso, mesmo se progressista, desde a raiz.
Outro problema, de grande interesse antropológico, é o da endogamia acadêmica que, embora desestimulada fortemente pelo Qualis, ainda possui bastiões. A revista da faculdade de direito da USP, por exemplo, somente publica autores externos se indicados por professores dessa instituição, o que denota uma concepção do saber semelhante a de um clube social, em que novos sócios só podem entrar com indicação dos antigos, ou análoga à prática normalmente endogâmica das elites brasileiras no sistema político. Dessa forma, o Regimento Interno dos Colegiados dessa revista institui:
Art. 7º - Os autores de artigos de Direito deverão ser sempre professores, ex-professores, professores visitantes, professores convidados e alunos de graduação ou pós-graduação da Faculdade.
Parágrafo Primeiro – Os trabalhos de professores convidados somente serão avaliados se vierem acompanhados da indicação expressa de um docente da Casa
Imagino que isso mudará com o tempo (como já se prevê nos critérios específicos de avaliação da área de direito), pelo menos formalmente. É possível, no entanto, que as atuais exigências de exogenia sejam, digamos, ultrapassadas por trocas entre instituições: os docentes e alunos de certo programa passam a publicar no periódico de outro, em um sistema semelhante aos das nomeações cruzadas que aconteciam no Judiciário (antes da atual orientação do Conselho Nacional de Justiça) para aplicar criativamente a proibição constitucional do nepotismo: o desembargador X nomeava o cunhado do desembargador Y em seu gabinete e vice-versa.
Tais são alguns dos desvios possíveis que o sistema de avaliação dos periódicos acadêmicos e dos programas de pós-graduação stricto sensu podem gerar. Tendo em vista a atualidade do problema não só no Brasil (por exemplo, a revista Esprit de julho de 2012 aborda essa questão na França no dossiê Les mirages de l'excellence), pretendo voltar ao tema nos próximos meses.
Gostaria de terminar esta nota com uma pergunta de Idelber Avelar: por que as revistas acadêmicas estariam chamando o envio de artigos de "submissão", um anglicismo (submission) novo em nossa língua? Respondi-lhe que tinha quase certeza de que a palavra decorria de uma tradução inadequada presente na plataforma de editoração eletrônica SEER (quem tem de operar o sistema sabe que ela não é bem escrita), Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas, que foi uma adaptação do software da plataforma Open Journal Systems. Apesar de ser um provável fruto de erro tradutório, a palavra não deixa de ser significativa.
Replicou Idelber Avelar: "Uma perfeita alegoria do estado da universidade." Se assim for, trata-se de mais um sintoma de que a promessa da universidade, que inclui a autonomia, está a se distanciar.