O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Algo como um poema: "O poeta que fora de esquerda"

 

O poeta que fora de esquerda
agora a encerrar discussões
com uma cédula no fim da fala

O poeta antes anti-
-establishment a estabelecer ditos
com o fardão na ponta da língua

As palavras do poeta outrora
censurado
servem hoje de coluna ao diário de direita
de banheiro aos cães do centro financeiro

– Cães de guarda?
– Certo, como o poeta
que trocou a fala em risco
pelo liso da farda.

Crê que os títulos dependurados nos lábios
são os melhores argumentos 
e dedica-se aos títulos de crédito

O poeta fora de esquerda
agora, do lado em que depositam homenagens,
toda sua retórica política
consiste em distribuí-las
sem que mudem de lado

– Lado?
– Ladra. Em vão, porém.
Também as coleiras são ladras.
 


terça-feira, 28 de junho de 2016

Algo como um poema e um livro #ForaTemer

Eu participei, a convite de Ana Rüsche, deste livro de circunstância #ForaTemer (https://www.facebook.com/events/541154726064512/) e logo um editor me acusou de poesia cooptada.


Os organizadores de Golpe Antologia-Manifesto são Rüsche, Carla Kinzo, Lilian Aquino e Steffani Marion. Eis o time de autores:


Ela pode ser baixada nesta ligação. Há vários gêneros no livro, especialmente conto, cartum e poesia. Nem todos os textos foram compostos especificamente para a ocasião, e alguns não tratam especificamente dela. O que fiz é um poema para esta circunstância.






Em desacordo

Pádua Fernandes[1]




I – Entrevista

– O voto importa para o golpe?
– Sim, pois sem voto, não haveria campanha e, sem campanha, não teríamos financiadores. Trata-se de números, como em qualquer democracia representativa. Segue-se que somente pessoas jurídicas têm direitos políticos e, seguindo tecnicamente a gestão do descarte de sobras humanas, governam por meio de seus periódicos prepostos.
– É verdade que a democracia do país está tendo um caso com o golpe?
– Acompanhe as notícias deste casal da tevê nas páginas de política, ou nas de fofoca ou simplesmente nos anúncios dos patrocinadores, sempre a seção mais atualizada.
– Para o golpe, o verde vale?
– Defende a economia verde, isto é, usinas hidrelétricas em áreas indígenas e a ressignificação de bacias hidrográficas por meio de rejeitos de mineração. As paredes das usinas serão pintadas de verde, os rejeitos mudam de cor naturalmente com o tempo, a mudança é o que vale.
– O golpe combate a corrupção?
– Claro, ele soprará sobre ela e com isso encherá arquivamentos, jantares, liminares e outros bonecos infláveis da política.
– O golpe valoriza a política?
– Sim, porque ele a transforma em governabilidade, que tem um espaço duplo: paraísos fiscais e valas anônimas.
– Segundo o golpe, existe golpe?
– Não existe ar para a própria atmosfera, entende? As águas nadam a seco.
– O golpe é de direita ou de esquerda?
– O Estado segue em frente, isso basta.


II – Estrutura da federação