Os organizadores de Golpe Antologia-Manifesto são Rüsche, Carla Kinzo, Lilian Aquino e Steffani Marion. Eis o time de autores:
Ela pode ser baixada nesta ligação. Há vários gêneros no livro, especialmente conto, cartum e poesia. Nem todos os textos foram compostos especificamente para a ocasião, e alguns não tratam especificamente dela. O que fiz é um poema para esta circunstância.
Em
desacordo
Pádua Fernandes[1]
I – Entrevista
– O voto
importa para o golpe?
– Sim,
pois sem voto, não haveria campanha e, sem campanha, não teríamos
financiadores. Trata-se de números, como em qualquer democracia representativa.
Segue-se que somente pessoas jurídicas têm direitos políticos e, seguindo
tecnicamente a gestão do descarte de sobras humanas, governam por meio de seus
periódicos prepostos.
– É
verdade que a democracia do país está tendo um caso com o golpe?
– Acompanhe
as notícias deste casal da tevê nas páginas de política, ou nas de fofoca ou
simplesmente nos anúncios dos patrocinadores, sempre a seção mais atualizada.
– Para o
golpe, o verde vale?
– Defende
a economia verde, isto é, usinas hidrelétricas em áreas indígenas e a ressignificação
de bacias hidrográficas por meio de rejeitos de mineração. As paredes das
usinas serão pintadas de verde, os rejeitos mudam de cor naturalmente com o tempo,
a mudança é o que vale.
– O
golpe combate a corrupção?
– Claro,
ele soprará sobre ela e com isso encherá arquivamentos, jantares, liminares e
outros bonecos infláveis da política.
– O
golpe valoriza a política?
– Sim,
porque ele a transforma em governabilidade, que tem um espaço duplo: paraísos
fiscais e valas anônimas.
– Segundo
o golpe, existe golpe?
– Não
existe ar para a própria atmosfera, entende? As águas nadam a seco.
– O
golpe é de direita ou de esquerda?
– O
Estado segue em frente, isso basta.
II –
Estrutura da federação
Aqui,
onde existia
uma
perna, passaram
dois
tiros da Guarda
Nacional,
não passou
a
Ambulância Estadual,
ausentou-se
a Maca
Municipal
que
teria erguido o corpo
antes
que agentes de segurança
pisassem
sobre o membro
enfim
cortado
para que
a fazenda se erguesse
em
terras ancestrais.
Nesta
fossa, soava
o
Discurso Presidencial
na
vibração das bombas
Estaduais
sobre os
corpos
sem a
Licença Municipal
de
carregarem
nos
punhos
as
palavras originárias.
Durante
o cartaz
rasgado,
nova Medida Municipal
de tempo
explodindo
os
Relógios Estaduais,
o
Calendário
Nacional
é sempre
da eleição passada,
durante
o cartaz rasgado
e roubado
das mãos
futuras.
No
entanto,
Ancestral,
Originária, ou seja,
Futura,
a
federação
das
bocas
a calar
os
tiros.
III –
Escuta e delação
Oi
Roliço Tudo bem Delícia Olhe sei que tem umas vagas aí para o meu grupo Ah mas
a organizadora é osso duro de roer O que que a [inaudível] está querendo Ela
quer critérios claros e transparentes e o seu grupo não se qualifica Posso
qualificar oferecendo vaga na [inaudível] da faculdade tem muito seminário Mas
é muito pouco Eu sei que o pessoal do tribunal pode oferecer muito mais ajuda
de custo que eu mas os eventos da faculdade são mais divertidos Você não
entendeu o trampo Não é tão pouco hoje seminário amanhã concurso depois de
amanhã chefe de departamento é um investimento como tudo na vida Você não
entendeu que ela não está interessada em nada disso ela não quer o seu grupo
não se encaixa nos critérios Critério é uma [inaudível] a função social desta
verba é ir para a gente não podemos deixar o desvio nas mãos dos desonestos Ela
acha que por ser uma antologia de poetas de até 30 anos você não se encaixa Eu
tenho duas vezes 30 meu grupo eu mereço o espaço em dobro vamos derrubá-la dizer
que ela está desviando o dinheiro oficial Vamos logo afastá-la ela não quis me
incluir só porque estou organizando também e tenho uma idade [inaudível] A
gente pode ser criativo e dizer que o governo não pode fazer propaganda de
opção sexual Boa ideia os progressistas nos ajudam a antologia vai calçar 36 Quanto
mesmo estão pagando pela participação nesta [inaudível] [inaudível] Ah rejubilar-me-ei
com a porcentagem sobre cada um do meu grupo isto começa a me soar poesia
IV –
Alarido
Impasse
no passo impedido pelo Internacionalistas
em prol do governo que atacou o sistema internacional de direitos Rápido e
ríspido raio que O estupro pauta a política
na aliança entre a bala e a bíblia A bomba abrindo as bocas da Os sem-terra de mãos dadas com as longas unhas
do latifúndio Vento avante o vórtice Queimar
favelas o requisito para se esquentar com a cidade e suas verbas Sussurro
insidioso dos ossos sob os Corrupção é
tudo igual para liderar o governo o homicídio é o diferencial Patinhos
pisando a praça pagando o pato dos pactos aparelhados Aplaudiu o massacre de jovens negros premiado com o palácio e negros
jovens que lhe baterão continência Impasse na pauta do raio A merenda furtada quem diria alimentou as festas da justiça Sussurro
no vórtice da bomba A aliança entre o boi
e o banco deputados que mugem executivos que pastam política Avante o impedimento
da praça E se o governo só for isto mesmo
a administração de quem cairá amanhã rindo loucamente dos corpos que lhe
amortecerão a queda só for isto mesmo a fratura dos discursos a osteoporose do
público só for o consenso do protesto com a lápide
– em
desacordo todas as palavras são políticas –
[1]
Autor,
entre outros livros, de Cidadania da
bomba e Cálcio, ambos contrários
às continuidades do autoritarismo no Brasil e, em especial, aos golpes repetidamente
sofridos pelos povos indígenas.
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