O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

domingo, 29 de maio de 2016

Desarquivando o Brasil CXXV: Notas sobre Romero Jucá e os índios no Brasil

O lamentável governo interino, composto em parte por ex-ministros de outras gestões (inclusive da presidenta afastada), e que atende ao salutar critério de não escolher pessoas que não estejam no momento privadas de liberdade, contou por menos de duas semanas com o senador Romero Jucá. O parlamentar foi ministro de Lula, líder (no senado) dos governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma, ocupou cargos nos governos de Sarney e de Collor.
Sua notável carreira política, sempre ao lado do poder instituído, é um dos sinais da falta de renovação política, da ausência de justiça de transição (algo muito caro para uma das populações mais atingidas pela ditadura, os povos indígenas) e, não devemos esquecer, de efetividade da Justiça.
Permaneceu doze dias no ministério do planejamento; sua queda decorreu do áudio de março deste ano, revelado pela Folha de S.Paulo e gravado por Sérgio Machado, investigado, ex-presidente da Transpetro e investigado na operação Lava-[a-]Jato. Na conversa, o impeachment é discutido como a melhor saída da classe política para bloquear a ação da Justiça na operação mencionada. Jucá afirmou que tem aliados para tanto no Supremo Tribunal Federal. Na última quinta-feira, o ministro Lewandowski defendeu a normalidade de conversas de membros do STF com os políticos. Essa normalidade certamente estende-se à agenda de fim de semana, que incluiu um encontro privado entre um dos ministros e um réu no sábado à noite, por acaso o próprio presidente interino da república.
Jucá é investigado também na Operação Zelotes, com o senador Renan Calheiros, em suposto esquema de venda de medidas provisórias.

Em importante articulação do passado recente com os dias atuais, João Fellet escreveu para a BBC Brasil o artigo "Por que ianomâmis fizeram ritual por saída de Jucá", publicado em 25 de maio. Jucá foi presidente da Funai de maio de 1986 a setembro de 1988, isto é, governo Sarney, que em 1988 o nomeou governador do então território federal de Roraima (não havia eleições diretas para esse cargo), função que exerceu até 1990. Nas duas ocasiões, sua atuação foi negativa para os povos indígenas, estimulando o garimpo nas terras desses povos. Como congressista, o que ele continua sendo, é autor de projeto para liberar a mineração em terras indígenas (o PL 1610/96; vejam nesta ligação a tramitação).
A matéria de Fellet tem, muito apropriadamente, como uma de suas fontes, o relatório da Comissão Nacional da Verdade, mais especificamente o capítulo 5 do volume II, "Violações dos direitos dos povos indígenas": http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/Volume%202%20-%20Texto%205.pdf
Na página 223, o Estado brasileiro reconheceu que o

[...] caso mais flagrante de apoio do poder público à invasão garimpeira se deu na gestão de Romero Jucá à frente da Funai, na região do Paapiu/Couto de Magalhães, onde o garimpo se iniciou a partir da ampliação de uma antiga pista de pouso pela Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (Comara), em 1986. A Funai e os demais agentes públicos abandonaram a região, deixando a área livre para a ação dos garimpeiros. Não havia justificativas para a expansão dessa pista, uma vez que não havia pelotões de fronteira planejados para a região.
Mais flagrante, note-se. Com o escândalo internacional provocado por essas ações anti-indígenas de Jucá, o presidente da Funai decidiu expulsar da região os... aliados dos índios:
Em meio às pressões nacionais e internacionais para a retirada dos garimpeiros e demarcação da TI Yanomami, o então presidente da Funai, Romero Jucá, optou, em 1987, por expulsar todas as equipes de Organizações Não Governamentais (ONGs) e missões religiosas estrangeiras que atuavam no atendimento à saúde dos Yanomami. [p. 227]


Além da destruição ambiental, a invasão das terras, os garimpeiros trouxeram doenças, uma das principais razões para a morte em massa de tantos índios. Como Jucá reagiu a essa calamidade? Cortando o atendimento de saúde:
Em 1987, em plena epidemia de malária e gripe, trazida pela invasão de garimpeiros, o então presidente da Funai, Romero Jucá, alegando razões de segurança nacional, retira as equipes de saúde da área Yanomami. [p. 207]
Um quarto desse povo morreu em consequência dessas ações administrativas que estavam levando ao genocídio desse povo. Diz muito sobre o Brasil que alguém que tenha se mostrado tão inapto para essa função pública, por sua incompatibilidade com a dignidade humana, depois tenha tido uma carreira política tão cheia de louros e distinções.
Um dos problemas do sítio da Comissão Nacional da Verdade (http://www.cnv.gov.br/) é que os documentos do volume II não estão disponíveis para baixar ao lado dos capítulos, diferentemente do que foi feito com o volume I.

No entanto, no fundamental portal Armazém Memória, coordenado por Marcelo Zelic, que recolheu mais de um milhão de páginas de documentos, é possível encontrá-los; http://armazemmemoria.com.br/
Por exemplo, neste ofício é transmitida a ordem de Romero Jucá (Filho), de 20 de agosto de 1987, à Coordenadora da Comissão Pró-Yanomami (CCPY), organização não governamental, de retirada da área.









No telegrama ao lado, Romero Jucá agradece o apoio à expulsão dos missionários e da CCPY e pede ajuda para a retirada dos garimpeiros. Nesta tarefa ele não foi eficiente. Na verdade, ainda há garimpeiros até hoje na área, como bem aponta a matéria de Fellet, que ainda trata da ação da empresa de mineração, com interesses em Roraima, de que a filha de Jucá é sócia.
Também no Armazém Memória podem-se baixar os contratos para exploração de madeiras em terras indígenas, que provocaram destruição ambiental e que não foram adequadamente fiscalizados pela  Funai.



A ação anti-indígena do político prolongou-se além do período de pesquisa da CNV, que fez pesquisas até a promulgação da Constituição de 1988. Escrevo esta nota para lembrar de outras fontes de apenas algumas outras denúncias contra o nobre parlamentar.

Em uma das audiências da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", ocorrida em 4 de dezembro de 2014, a atuação de Romero Jucá foi também alvo de críticas, dessa vez pela jornalista Memélia Moreira, que trabalhou especialmente para o Jornal de Brasília e para a Folha de S.Paulo durante a ditadura militar, e cobria a Amazônia.

A audiência deveria estar disponível aqui: http://verdadeaberta.org/relatorio/tomo-iii/  Como a plataforma apresenta instabilidades, resolvi compartilhá-la nesta ligação.
Memélia Moreira afirmou que "depois do Romero Jucá a Funai foi um desastre total". Ela recordou que o nome Jucá significa morte em algumas línguas indígenas, e tratou também da nomeação dele como governador do então Território Federal de Roraima:
Roraima, 20.000 garimpeiros, em um mês depois que ele tomou posse, estavam... Invadiram o território Yanomami, numa população de mil, onde os índios eram só 10.000, mil é muita gente. Eu carreguei índio. Porque aí era o Ministro da Justiça Saulo Ramos, abriu um processo pra dizer que eu tinha feito a denúncia contra os índios por omissão de socorro, processo por omissão de socorro, porque eu carreguei índio, ao invés de ajudar os índios a se salvar. Imagina, eu não era funcionária do governo. Eu estava levando o canal de TV francês, o “Canal Plus”, que é um canal independente, da TV francesa e o pessoal da (ininteligível) e fizemos a denúncia internacional daquilo, que os índios estavam morrendo de malária igual mosca. Morrendo de malária e de desnutrição. E eu carreguei, quando eu carreguei os índios, o cinegrafista do “Canal Plus” filmou, e essa correu. Ele abriu, o Saulo Ramos abriu essa... Mandou a Polícia Federal me interrogar e eu fui acompanhada de dois procuradores da República, pra advogar, que era o Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, Dr. Aurélio Veiga Rios e Dr. Cláudio Fonteles, me acompanharam na Polícia Federal.
A AUDIÊNCIA – (Inaudível.)
A SRA. MEMÉLIA MOREIRA – É, depois ele virou o negócio da Comissão da Verdade, mas... Chegando lá eles me fizeram perguntas, o delegado da Polícia Federal perguntou “Houve omissão de verdade?”, eu falei, vou responder. O Sigmaringa disse “Pelo amor de Deus, responde o que ele está perguntando.”, eu disse houve, não, há omissão de socorro. Há omissão de socorro do estado brasileiro, que está matando os índios por isso, isso e isso e aí virou um caso político enorme, e eu estou aqui, vou denunciar o governador de Roraima, Romero Jucá Filho. Pra quem gosta das coisas do além, Jucá, em tupi, significa: morte, morrer, matar. Tá aí I-Juca Pirama.

Como Davi Kopenawa, ela acusa Jucá de participar da exploração de ouro na região. Marcelo Zelic, na mesma audiência, comenta que "o curioso do Romero Jucá é que ele consegue ser líder do governo, de todos os governos, até o primeiro ano do governo Dilma."
Pode-se ver a jornalista em entrevista que concedeu, também em dezembro de 2014, com o presidente da Comissão "Rubens Paiva, Adriano Diogo, à TV Alesp. Ela trata de Jucá mais de uma vez; explica que o  povo Yanomâmi com fome, pois o garimpo espantou a caça: https://youtu.be/5lw78c7GI8I?t=4m5s
E Romero Jucá, último governador nomeado, "que não se afastou do poder até hoje", abriu as terras indígenas (já homologadas e demarcadas) para os garimpeiros: https://youtu.be/5lw78c7GI8I?t=4m43s

O Comitê Estadual da Verdade do Amazonas elaborou em 2012 um importante relatório, O genocídio do povo Waimiri-Atroari. Nele,denuncia-se que Jucá interrompeu o trabalho de educação para esse povo:
O trabalho de alfabetização também foi bruscamente interrompido. Os professores, Egydio Schwade e Doroti Alice Müller Schwade, foram expulsos em dezembro de 1986. E para desviar o foco das verdadeiras causas e dos interesses motivadores da expulsão, ao longo do ano de 1987, foi promovida uma campanha difamatória contra o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e seus apoiadores, incluindo o casal de professores e o pesquisador Stephen Grant Baines. A campanha serviu de oportunidade ao Presidente da FUNAI, Romero Jucá, para assumir publicamente a autoria da expulsão dos professores da aldeia Yawara. E ao invés de ouvir os pareceres de suas assessorias, Romero Jucá reforçou as calúnias do jornal que acusavam os professores de estar a serviço de um cartel de empresas estrangeiras de mineração, crime que os dirigentes da FUNAI e os donos da empresa mineradora atuante na área Waimiri-Atroari cometiam. [p. 69]

Houve diversas outras denúncias contra ações anti-indígenas de Romero Jucá, que podem ser revistas na imprensa especializada, que pode ser pesquisada no Armazém Memória.
A posse de Jucá na Funai, que ocorreu por indicação de Marco Maciel, então do PFL (Partido da Frente Liberal, filho da ARENA e origem do DEM), foi contestada: tratava-se de alguém que nada entendia da área e não tinha nenhuma experiência com os povos indígenas. Mais um exemplo do desprezo ao conhecimento e à inteligência, característica que costuma distinguir a classe política brasileira; os critérios do conhecimento científico simplesmente não são os mesmos, e muitas vezes entram em conflito com os fins e meios das negociatas políticas. Os exemplos são numerosos demais e aparecem nos mais diversos governos, porém creio ser útil mencionar que Dilma Rousseff nomeou um negacionista da mudança climática para o Ministério da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebello, que, como ministro da Defesa (nada menos), atacou a antropologia e afirmou, em 30 de março deste ano, na CPI da Funai e do Incra, dominada pelos ruralistas. O então ministro defendeu o etnocídio, chamado eufemisticamente de "integração", "Como se na escala evolutiva da humanidade o índio pudesse ser contido e parado nos estágios anteriores à evolução de toda a humanidade". Leiam o inacreditável pronunciamento na EcoAgência e assistam ao negacionista antiantropologia no canal da Câmara dos Deputados.
O governo interino, além do notório Romero Jucá, agora afastado, apresenta outros políticos que se notabilizaram por suas ações anti-indígenas. Para substituir à altura Kátia Abreu no ministério da agricultura, foi nomeado o famigerado Blairo Maggi, que afirmou, no seu quarto dia no governo, que "não é justo acomodar um índio e desacomodar uma família". Osmar Terra, ministro do desenvolvimento social e agrário, já declarou que a Funai prende os índios à "pré-história humana".

Voltemos a outro momento em que o Estado brasileiro usou a defesa nacional para legitimar políticas anti-indígenas. O governo Sarney não mostrou pressa alguma em retirar os invasores das terras dos Ianomâmis. No número 57 do jornal Mensageiro, de maio/junho 1989, trazia matéria com a imagem de Davi Kopenawa; "pajé líder Yanomami", queixando-se da promessa descumprida de retirada de 50 mil garimpeiros. Cita-se o general Leônidas Pires Gonçalves, então ministro do Exército: a "cultura dos índios é baixíssima e não é respeitável"; essa opinião difere muito, em termos de atualização científica e de respeito à diversidade, das que foram proferidas pelos ministros mais recentes que citei, e que não são militares? 

Os Ianomâmis consideraram José Sarney e Romero Jucá genocidas. Ao lado, página do número 60 do Mensageiro, de novembro/dezembro 1989. Sarney recusou-se a receber os índios e Davi Kopenawa teve que deixar as reivindicações no protocolo da presidência, em mobilização que se estendeu de 11 a 15 de setembro de 1989. Dom Tomás Balduíno declarou que "Sarney não recebeu os índios porque um homem que pratica genocídio tem que ter vergonha dos índios". A matéria informava que "Durante todas as manifestações, os índios, pintados com cores vivas, portavam faixas que acusavam de genocidas o governo Sarney e o governador Romero Jucá Filho, do Estado de Roraima [...] Outras faixas exigiram o cumprimento da Constituição e a devolução das terras roubadas dos Yanomami."


Outros povos foram atingidos pela administração de Jucá na Funai. No Mensageiro n. 81, de maio/jul. 1993, aponta-se que Jucá concedeu terras dos Araras a colonos "desafiando a Constituição brasileira". Esse povo estava ameaçado pelas madeireiras.
Os Xavantes protestaram contra Jucá em 1987 e exigiram sua demissão, o que não aconteceu, como se sabe. Pelo contrário, ele foi premiado com o governo de Roraima, onde aconteceram algumas das principais medidas contrárias aos interesses dos povos indígenas no governo Sarney, especialmente contra o povo Ianomâmi, tendo em vista os interesses das mineradoras em suas terras.





Na matéria do Porantim de outubro de 1987,  além da reclamação sobre os cruzados "perdidos" na Funai que não chegaram até o povo Xavante, vê-se que Jucá se recusou a recebê-los, bem como aos Guaranis-Kaiowás, que continuavam a ser vítimas de remoções forçadas em Mato Grosso, que "sofreram agressões na própria sede do órgão".
A matéria mais chocante, porém, era a sugestão de extinção da Funai levantada por auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em razão de sua inoperância, apesar de o orçamento da Fundação ultrapassar "mais de duas vezes o total dos orçamentos do TCU, do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Federal de Recursos".
A auditoria especial do TCU abordou época anterior à gestão de Jucá, mas a reportagem ressaltava que o descontrole orçamentário da Funai continuava sob o novo presidente.
Sugiro que alguém pesquise se hoje se mantém uma proporção parecida no orçamento (parece-me evidente que a Funai, em razão do âmbito de suas atribuições, deva ter um orçamento muito maior do que o STF), e que se analise o que se deu com as investigações da gestão de Jucá no TCU.

O governo Sarney apresentava uma orientação geral anti-indígena. Em dezembro de 1987, a Funai e o Ministério do Interior agraciaram com a Medalha do Mérito Indigenista ninguém menos do que o general secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional (que, em última instância, era o órgão que traçava a política indigenista...), o próprio presidente da república e o seu ministro da justiça, Paulo Brossard, que tampouco eram especialistas na causa. Vejam a matéria do Porantim de janeiro/fevereiro de 1988, que considerou que se tratava de um prêmio "General Custer".
Foi aprovado para publicação, mas ainda não saiu, um artigo que escrevi para a revista Insurgência, da Universidade de Brasília, com análise de documentos secretos do Conselho de Segurança Nacional que mostram como o governo federal tentou impedir a garantia de direitos constitucionais para os povos indígenas durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte em 1987 e 1988.
Entre os projetos anti-indígenas desse governo, estava o Calha Norte, defendido por Jucá, e que partia do princípio de impedir (ferindo a Constituição de 1967, ainda vigente) a demarcação de terras indígenas na fronteira.


Nesta curiosa entrevista publicada pelo Porantim (no número 96, de março de 1987), Jucá defendeu o Calha Norte e outros projetos do governo, e afirmou que "o relógio joga contra os índios".
De fato, ele mandou uma carta para os constituintes, como anunciara na entrevista, mas contrária à proposta já firmada pela União dos Povos Indígenas (UNI). Para Jucá, havia terra demais para os índios no Brasil...
Somente a forte mobilização indígena da época impediu o retrocesso que o governo Sarney tentou articular.

Como governador nomeado por Sarney, Jucá tentou proteger as invasões de garimpeiros em áreas indígenas (completamente ilegais), alegando que se tratava de fato consumado (para que ele, modestamente, havia contribuído). Cito matéria do Jornal do Brasil ("Governador não aceita o fim dos garimpos", 22 de junho de 1989):
O governador de Roraima considera a invasão um fato consumado Em sua opinião, o importante agora é tentar organizar a exploração do ouro nessa região "Se for preciso brigaremos na Justiça para manter essa racionalidade. A responsabilidade social pelo povo de Roraima é minha. Por isso não vou permitir ingerências estranhas que venham causar danos à população", disse Jucá. Os militares da região apoiam essa posição e alegam que a expulsão dos garimpeiros poderia criar sério impacto social.
A declaração havia sido causada pelo pedido do subprocurador-geral da República, Carlos Luz, para que o governo federal interditasse e destruísse as pistas clandestinas do garimpo. É óbvio, em falas desse tipo, que Jucá não considerava os índios parte do povo de Roraima.
Nas eleições de 1990, ele não logrou eleger-se governador do Estado, e deixou essa instância do poder.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, o senador Romero Jucá atuou para criar entraves  à aprovação da Convenção 169 (que assegura aos povos indígenas, entre outros direitos, o de consulta, sistematicamente violado pelo Estado brasileiro) no Congresso Nacional, a pedido do então ministro da Justiça, Nelson Jobim, que também não pode ser considerado um defensor dos direitos indígenas - ele se opôs, por exemplo, à demarcação contínua de TI Raposa Serra do Sol, e defendeu, em março deste ano, na CPI da Funai e do Incra, que as condicionantes inventadas pelo STF no julgamento dessa TI (danosas aos direitos originários) devam transformar-se em regras gerais das demarcações.
Ao lado, página do Porantim (n. 183, de março de 1996) sobre o assunto. De fato, a Convenção 169, apresentada ao Congresso Nacional em 1991, somente pôde ser ratificada em 25 de julho de 2002, depois de ter sido aprovada pelo Decreto legislativo 143, de 20 de junho do mesmo ano. De vez em quando se veem, mesmo em manuais sobre a Convenção publicados por organizações especializadas, confusões com a data, atribuindo a ratificação, que é um ato internacional, a 2004. Em 2004 aconteceu outra coisa: foi editado o decreto (de número 5051) do presidente da república que internalizou a Convenção; ela já era obrigatória ao país, no entanto, "doze meses após o registro da sua ratificação", segundo o artigo 38, ou seja, desde 2003.

Fellet, na matéria recente da BBC Brasil, mencionou a empresa de mineração de que a filha de Jucá é sócia.
Aproveito e lembro da então esposa do senador, Teresa Jucá, que, na qualidade de deputada federal, apresentou em 1991 projetos sobre regras para a demarcação de terras indígenas e para mineração nessas áreas.
O Informativo Inesc (ano V, n. 13, maio de 1991) avaliou-os negativamente:
Os projetos não acrescentam nenhuma novidade ao que já está tramitando no Congresso sobre os temas e se mostram extremamente restritos quanto a real participação dos índios no processo. Basta observar que o PL sobre demarcação das terras indígenas, quando propõe o grupo multidisciplinar, não prevê a participação direta dos índios no processo, ou seja, os que são diretamente interessados e atingidos pelas proposições.
Isto é, faltava-lhes o respeito ao princípio democrático... Falta que também parece estar presente, no tocante ao tratamento dispensado aos povos indígenas, em todos os pontos da carreira de Romero Jucá que foram objeto desta nota.

Um comentário:

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    Romero Juca e um dos temas que cobrimos na coluna JM.

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