Lá, escutei e vi o discurso da crise, que muitos atribuem àquilo que Alberto Pimenta, há mais de 10 anos, chamou de "IV Reich", e é a União Europeia.
"Já vi estas ruas cheias Agora são só memórias vazias" foi uma das inscrições que vi. Vi ruas cheias, porém de estrangeiros como eu, ou bem mais do que eu, pois a maior parte não era lusófona.
Sei que a consciência da crise estava presente: no metrô e, também, nos trens.
Enquanto lá estive, tribunais foram extintos, o que causara protestos dos advogados, que teriam que se deslocar mais para trabalhar.
Vi algumas inscrições de "Revolta-te", alguns rastros anarquistas.
Esta pintura pelo direito à cidade abria portas na parede.
Enquanto estive lá, ocorreu uma passeata dos professores, de que não consegui participar. Vi, porém, suas marcas pelo meio urbano, e fixas como a que fotografei, "PROFESSORES DE LUTO E EM LUTA Pela profissão, Em defesa da Escola Pública".
Lembremos que o inefável Passos Coelho convidou em 2011 os professores portugueses a deixar o país; um momento vergonhoso em que o governo desejava, com efeito, apagar as luzes da nação.
É necessário que essas luzes cresçam com(o) o fogo? Talvez ainda falte que a cidade arda, como diz Alberto Pimenta no poema 50 do seu último livro, Autocataclismos (Lisboa: Pianola, 2014):
a cidade está a arder--------o aperto é grande
desde há vários dias---------escasseiam os mantimentos
mas o que arde cura---------mas o que aperta segura
Manuel de Freitas, no número 2 da revista Cão Celeste (2013), escreveu "Que a poesia interessa a quase ninguém, é um dado adquirido. Provam-no, de maneira drástica, as tiragens cada vez menores com que grandes e médias editoras apostam (?) nesse gênero escandaloso, para não dizer nefasto."
De fato, hoje, são as editoras menores que continuam a sustentar esse gênero. Mais adiante, no mesmo texto, "As coordenadas líricas" acrescentou este contraponto: "Por ironia, e embora já ninguém se aperceba disso, a poesia (que não vende, não interessa, etc.) continua a ser a mais forte e intensa afirmação da literatura portuguesa. Talvez por lhe faltar aquilo que nunca teve: esse gosto pela prostituição em que tantos ficcionistas e prosadores se comprazem."
Também no ano passado, a propósito do livro De nada de Alberto Pimenta, eu havia escrito, fazendo um comentário a Eduardo Pitta, que havia notado esse problema em boa parte da ficção portuguesa, e a poesia não merecia essa ressalva.
Descobri, depois, um vídeo, de 2009, com programa de tevê com Diogo Vaz Pinto e Luís Quintais reclamando da crise e da falta de leitores para a poesia. Deve ser verdade. No entanto, creio que há outra coisa em questão, talvez mais importante do que essa falta: a poesia, ela mesma, pode ter como ambiente mais adequado a crise, ou pelo menos a de uma certa espécie, nos discursos.
Ou melhor: ela pode ser essa própria crise e, com isso, inventar os seus leitores e recriar o silêncio. Trata-se de uma tarefa para os poetas.
"Paredes brancas povo mudo", outra das inscrições que vi em Lisboa. Que a poesia também seja uma pichação sobre a cidade e os discursos.
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