They'll never be the same: poema inconcluso é a mais nova plaquete de Alberto Pimenta, lançada no fim de 2023 pela Edições do Saguão. A capa indica o cenário do poema: o mar; internamente, há uma ilustração dos argonautas, que contrasta com as situações do texto.
O autor de A magia que tira os pecados do mundo, o notável ensaio estruturado segundo os arcanos maiores do Tarô, começa este poema com a imagem da Roda da Fortuna, o arcano X: ela indica a submissão ao destino ou ao acaso, às tormentas dos ciclos, e que, com o girar da Roda, os que estão no alto podem descer; os que estão abaixo, ascender.
O poema, antes de tudo, parte da submissão à Fortuna: um barco parte no mar, porém um outro "mar", metafórico, ficou atrás:
no porto esbraceja outro mar de gente
que não desiste, um monte de gente
em roupa com rasgões, que já não se usam,
mas usou-os o tempo e ficaram.
Eles migram em meio a "sinais prévios de vida e morte" (ambas podem acontecer na Roda, sabemos). No entanto, a descrição dos passageiros não é completamente desoladora; pelo contrário, "... é geral a esperança!". A dicção do poema é lírica: "a lua marcha sobre a água/ como lá o corpo divino". A esposa do Ulisses de Homero aparece no poema com o nome Benelpe, e seu contínuo fiar e desfiar da manta é apresentado como estratégia para esperar o navegante.
Estes viajantes chegarão, porém? Irrompe uma tormenta, pássaros sobrevoam o navio, os passageiros descem: "tudo no barco resvala,/ ou há-de um dia resvalar". Crianças choram. Corpos caem e sangram. Foi dito que eles se submetem ao Capital: "e quando não servem/ caem, e vêm outros mais baratos:/ de acordo com a leis do mercado."
Submissão, aqui, aos detentores das fortunas. Não há acaso.
De fato, o capital leva ao deslocamento de populações, e a discussão sempre acesa sobre leis contra migrantes na Europa e nos Estados Unidos (o que deve ter levado à escolha da língua do Capital para o título do poema) confirma a atualidade das contradições entre as dinâmicas sociais e econômicas que levam a esse trânsito de pessoas, e as barreiras de variada natureza que buscam restringi-lo.
Na menção à rainha de Ítaca aparece um animal, o cão, que, na última página, revela-se um animal psicopompo, isto é, intermediário entre os vivos e os mortos. No entanto, lemos que ainda há uma esperança, que responde ao título:
enfim, é gente.
gente
gente à espera de o
continuar a ser.
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