O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Poesia política: Cernuda, Brossa e Francisco Alba

Escrevi recentemente, para o Amálgama, algo como uma resenha sobre publicações no Brasil de dois grandes poetas ibéricos do século XX, de gerações e línguas diferentes (Luis Cernuda e Joan Brossa). Resolvi, porém, uni-los no mesmo texto, pois um dos tradutores, o poeta e historiador Ronald Polito, é o mesmo, e os dois poetas se opuseram ao fascismo espanhol.
As duas importantes antologias, Como eu, como todos (de Cernuda, tradução de Polito e Domènech Ponsatí) e Escutem este silêncio (do catalão Brossa, traduzido por Polito com apresentação do tradutor e de Victor da Rosa) foram publicadas pelo Lumme Editor.
A resenha é "Antifascismo e silêncio em Cernuda e Brossa": http://www.amalgama.blog.br/07/2013/antifascismo-e-silencio-em-cernuda-e-brossa/ No caso de Cernuda, trata-se da primeira antologia no Brasil, o que era uma grande lacuna para a bibliografia dos grandes poetas estrangeiros do século XX. Um pequeno trecho do que escrevi:
O nada, aspiração dessa poesia, o prêmio que ela tem a oferecer: “Mas liberdade a sós/ Ganhaste, e te parece// Vitória desolada,/ Figuração da morte” (“O prisioneiro”, p. 83). Neste trecho de “A um poeta futuro” (p. 73), Cernuda aposta na fecundidade política dessa aspiração:
Porque apresento neste distanciamento humano
Quão meus haverão de ser os homens vindouros,
Como esta solidão será povoada um dia.
Embora sem mim, de camaradas puros a tua imagem.
Se renuncio à vida é para achá-la logo
Conforme meu desejo, em tua memória.
Esta antologia serve para cumprir tal aposta na posteridade: que o isolamento do poeta pudesse encontrar uma comunidade, embora póstuma. 
A respeito de Brossa, o poeta catalão, um dos meus autores preferidos, fiz este comentário sobre a poesia visual:
Brossa pede-nos silêncio em “Relâmpago”: “Xiu! É melhor a imagem/ que o comentário.” (p. 27). Esse apelo aos sentidos possuía um significado político. Era necessário ver mais do que o sugerido pelo poder. Em “Fotografia” (p. 49), temos duas visões da letra f, extremamente significativa nesse período: Franco e fascismo são duas das possibilidades de decodificação. A letra, na visão frontal, é larga e imponente. Ao lado, temos o f em perfil: uma simples linha vertical, insignificante.
Gosto muito da poesia de Espanha e suas nacionalidades, de que deveria me ocupar mais. Traduzi José Ángel Cilleruelo, mas ainda não consegui escrever nada sobre Leopoldo María Panero. Um dos poetas contemporâneos de que mais gosto é Francisco Alba (Barcelona, 1967; escreve aqui: http://selvadevariaopinion.blogspot.com.es/). Seu último livro, Masa crítica (Madrid: Vaso Roto, 2013), assim como o anterior, El contrario (Madrid: PreTextos, 2008), lança um olhar desencantado e irônico sobre a história. Nesta "Elegía", a referência é a Guerra Civil (traduções minhas):
Fizemos uma guerra fratricida
e temos que reconhecer que nos matamos
com bastante eficácia.
O diabo devastava as colheitas
- quantas calamidades! -
cantando coros trágicos
mancando por sendas pedregosas
polidas pelos cascos das bestas. [p. 24]

Predomina, no entanto, o que se chama de história recente, principalmente a crise europeia, em que a Espanha está mergulhada até a medula. A "Balada de los ahorcados" situa a quebra da Grécia na história da Europa por meio do uso de citações em outras línguas, o que inclui o "Liebestod" da ópera Tristão e Isolda, de Wagner e, obviamente, a "Balada dos enforcados" de Villon. Este é um trecho próximo do final:
Dançamos o sirtaki em uma praia
com o Egeu sujo de petróleo.

Foi em Naxos que ouvimos a notícia.

Estávamos já mortos navegávamos
à deriva por um mar de chumbo
muito ao leste da zona euro

                              Je regrette l'Europe aux anciens parapets! [p. 37]

A citação do verso de "O barco ébrio", de Rimbaud ("Da Europa eu desejava os velhos parapeitos!", na tradução de Ivo Barroso), deixa tudo mais irônico. Esses parapeitos, que já foram gregos, não estão mais disponíveis para a Grécia.
No final do poema de Rimbaud, que possui uma forte dimensão política, não se pode mais nadar diante do orgulho das bandeiras e das chamas, sob os olhos horríveis dos pontões, navios onde eram presos os condenados à deportação. Em Alba, porém, os condenados são os que navegam, já estão mortos e foram dar no oriente.
E termino aqui, antes que esta nota se pareça com uma resenha, e não com uma simples expressão de admiração diante destes poetas nascidos em Espanha e sua sensibilidade política.

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