Jornalismo como carta
de direitos
Nunca
declaramos
que
os nossos são os melhores;
o
horário é todo deles,
mas
não declaramos
que
eles são os melhores,
e
sim que somos os olhos
e
ouvidos de todos;
bradamos
que os nossos foram
as
primeiras vítimas
não
por ignorarmos
as
primeiras quedas sem vida;
porém
vinham de outros órgãos,
pode
a sociedade
discursar
sem elas.
(...últimas notícias: foi assassinado pelo neto com cem facadas...
– Novidade para toda a família: custam só cem
dinheiros as facas Messer!
...liberada a foto do suspeito por seu advogado para a tevê...)
Nunca
demos atenção
aos
nossos feridos
por
balas do Estado,
embora
nossos, calamo-nos;
tal
sutileza comprova
que
não nos achamos
de
fato os melhores.
(...mensagem instantânea de namorado da estagiária
de advogado do amigo do governador, apagada mas capturada por nosso programa, insinuava
que o líder da rebelião ouvia as mesmas músicas que o defensor de direitos
humanos...
–
Só por mil proteja a privacidade de seus dados com o programa ASN!
...preso o suspeito, entregou-o o advogado do cúmplice que o delatou e agora
representa os dois...)
Para
os mortos de outros órgãos
repetimos:
a violência
tem
o monopólio
do
Estado legítimo,
e,
se os nossos caem,
com
o calor de seus corpos
queimamos
os vivos.
(...últimas pesquisas governamentais mostram o
potencial do solo amazônico para o pasto e as garagens...
–
Churrasqueiras portáteis, cabem no carro, só mil dinheiros!
...o advogado dos presos, já desaparecidos,
afirma que foram financiados por redes de direitos humanos, o governador amigo
do causídico apoia o projeto antiterror que as proíbe...)
Os
vivos, queimados
por
não terem entendido
que
somos os olhos
e
ouvidos da sociedade,
só
veem agora
a
fumaça em que se tornam
transmitida
a todos.
(...o defensor de direitos humanos alega que não
sabia do gosto do líder da rebelião, mas perito veio à tevê e mostra que a
trajetória do rojão desenhada num pentagrama reproduz a música de que ambos
gostam...
–
O governo entra agora em cadeia nacional: boa noite, aviso que criticar a
necessidade da lei contra o terrorismo é um ato terrorista que confirma a
necessidade da mesma lei.
...a congressista ruralista lembra no debate
que a culpa é do filósofo francês Ruisseau, que escreveu a carta de direitos
humanos da Revolução Francesa; o filósofo colunista concorda e explica que sem
direitos humanos não teria existido o Terror...)
Queimam,
mas o corpo
da
sociedade não sofre;
somos
só olhos e ouvidos,
mas
a carne mesma,
ao
longo de cinco séculos,
formou-se
com o melhor:
balas
da polícia.
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