O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Jornalismo como carta de direitos

Provavelmente para um dos livros que estou escrevendo:





Jornalismo como carta de direitos






Nunca declaramos
que os nossos são os melhores;
o horário é todo deles,
mas não declaramos
que eles são os melhores,
e sim que somos os olhos
e ouvidos de todos;
bradamos que os nossos foram
as primeiras vítimas
não por ignorarmos
as primeiras quedas sem vida;
porém vinham de outros órgãos,
pode a sociedade
discursar sem elas.

(...últimas notícias: foi assassinado pelo neto com cem facadas...
 – Novidade para toda a família: custam só cem dinheiros as facas Messer!
...liberada a foto do suspeito por seu advogado para a tevê...)

Nunca demos atenção
aos nossos feridos
por balas do Estado,
embora nossos, calamo-nos;
tal sutileza comprova
que não nos achamos
de fato os melhores.

(...mensagem instantânea de namorado da estagiária de advogado do amigo do governador, apagada mas capturada por nosso programa, insinuava que o líder da rebelião ouvia as mesmas músicas que o defensor de direitos humanos...
– Só por mil proteja a privacidade de seus dados com o programa ASN!
...preso o suspeito, entregou-o o advogado do cúmplice que o delatou e agora representa os dois...)

Para os mortos de outros órgãos
repetimos: a violência
tem o monopólio
do Estado legítimo,
e, se os nossos caem,
com o calor de seus corpos
queimamos os vivos.

(...últimas pesquisas governamentais mostram o potencial do solo amazônico para o pasto e as garagens...
– Churrasqueiras portáteis, cabem no carro, só mil dinheiros!
...o advogado dos presos, já desaparecidos, afirma que foram financiados por redes de direitos humanos, o governador amigo do causídico apoia o projeto antiterror que as proíbe...)

Os vivos, queimados
por não terem entendido
que somos os olhos
e ouvidos da sociedade,
só veem agora
a fumaça em que se tornam
transmitida a todos.

(...o defensor de direitos humanos alega que não sabia do gosto do líder da rebelião, mas perito veio à tevê e mostra que a trajetória do rojão desenhada num pentagrama reproduz a música de que ambos gostam...
– O governo entra agora em cadeia nacional: boa noite, aviso que criticar a necessidade da lei contra o terrorismo é um ato terrorista que confirma a necessidade da mesma lei.
...a congressista ruralista lembra no debate que a culpa é do filósofo francês Ruisseau, que escreveu a carta de direitos humanos da Revolução Francesa; o filósofo colunista concorda e explica que sem direitos humanos não teria existido o Terror...)

Queimam, mas o corpo
da sociedade não sofre;
somos só olhos e ouvidos,
mas a carne mesma,
ao longo de cinco séculos,
formou-se com o melhor:
balas da polícia.

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