Para cada um dos poemas escolhidos de Donizete Galvão, alguns autores escreveram poemas em resposta ou em diálogo. São 15 os do homenageado (e mais um, como uma espécie de epígrafe), mais os dos autores que com ele conversam.
A coletânea inclui muitos amigos do poeta, mas não se resume a eles, embora Donizete muitos possuísse. Não se pode reduzir esta obra à amizade: ela interessa sobretudo aos que não o conheceram, e que terão de Donizete Galvão agora a poesia, sem a intermediação da figura do poeta. Ele não está mais aqui para falar de poesia, mas a obra sobreviverá a sua ausência pessoal.
Ela sobreviverá, ao contrário de tantos autores que, em vida, foram mais conhecidos do que Donizete o foi, mas apenas por causa dos esforços de marketing pessoal e autopromoção, das redes de prestígio e sabotagem que manejaram quando vivos, e que se esvaziaram depois de mortos, levando-os ao esquecimento.
O livro não é, pois, uma ação entre amigos. Ademais, os leitores de poesia contemporânea brasileira poderão constatar que, em geral, a poesia de Donizete é, no mínimo, melhor do que a dos outros participantes da antologia.
Não escreverei uma resenha, pois fui incluído; escrevi um poema curto, mas sem a concisão que Donizete atingiu a partir da visão de uma pomba morta no chão da cidade em "Deformação".
Mas quero destacar um poema, entre tantos interessantes, e também referido a "Deformação": Sérgio Alcides parte não da imagem da pomba (que bebe "água preta" no poema de Donizete Galvão), porém das cores, cinza, preto, até chegar ao branco. A pincelada final é dada pelas pálpebras - eu imagino um último olhar, apenas, ou o desfalecimento do pintor, dando de cara no que pintou, e é uma parede... Aqui, não temos a paleta de artista plástico, mas o pincel de pintor de parede.
Não se trata de uma estetização da morte, e sim de concepção bem cotidiana ("como um pacote selado/ e endereçado ao nocaute"), com um fim sem saída. Sérgio Alcides, sem trair sua própria poética, consegue dialogar de forma original com o universo de Donizete.
O livro não inclui a lista de poemas escolhidos por obra do autor. Ei-la:
Azul navalha (São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1988): Irmão inventado, Diante de uma fotografia de Auden.O último volume foi o preferido pelos organizadores. O único livro publicado de que nenhum poema aparece na antologia é o breve Pelo corpo, que escreveu com Ronald Polito e foi publicado em 2002 (Santo André: Cacto/Alpharrabio).
As faces do rio (São Paulo: Água Viva, 1991): International Klein Blue, O poço.
Do silêncio da pedra (São Paulo: Arte Pau-Brasil, 1996): Recomendações.
A carne e o tempo (São Paulo: Nankin Editorial, 1997): Dessincronia, Roedor.
Ruminações (São Paulo: Nankin Editorial, 1999): Ruminações, Escoiceados.
Mundo mudo (São Paulo: Nankin Editorial, 2003): Mão de pilão, O hóspede, Deformação.
O homem inacabado (São Paulo: Portal/Dobra, 2010): O cortador de bambus, Vida minúscula, Atravessar as coisas, A preparação do próximo dia.
P.S.: O poema que escrevi:
Urbanismo e voo
Para alguns poetas, o albatroz,
e vivo,
embora no chão e a pontapés;
para outros, algo menor
e ainda mais nítido:
penas e bico
vão, despertados
pela chuva.
Arrastado pelo esgoto,
o bico do pombo continua a cantar a cidade,
ou começa a fazê-lo
agora, que a descobre
pela garganta.
O vento não logrou carregar as penas,
a lama é tudo o que elas terão
do voo.
Um mapa, todo o tesouro,
o que chutes e pisadas
formam com os restos do corpo
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