O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

quarta-feira, 18 de julho de 2018

USP e cultura de estupro: marcado para 19/07 o julgamento de um dos casos da CPI dos Trotes

Foi marcado para dia 19 de julho de 2018, [o caso não foi decidido, porém; ver abaixo] às nove da manhã, o julgamento, pela 5ª Câmara de Direito Criminal, do recurso contra absolvição, em primeiro grau, do médico Daniel Tarciso da Silva Cardoso, que foi acusado de estuprar colegas da USP, quando estudante de Medicina.
Ativistas e coletivos feministas estão divulgando a seguinte nota, com uma convocação para comparecer no Tribunal nesse dia. Transcrevo-a aqui. Ela narra sinteticamente o complexo episódio:
Trote da USP: médico acusado de estupro não pode ser absolvido 
Pode ser julgada nesta quinta-feira, pela 5ª Câmara de Direito Criminal, sala 232/236 do Tribunal de Justiça de São Paulo, às 9 da manhã de 19 de julho, a apelação contra a sentença que absolveu Daniel Tarciso da Silva Cardoso, da acusação de crime de estupro, em 2012, contra uma colega da USP, quando ele era estudante de Medicina. Em 2014, por iniciativa de Adriano Diogo, então deputado estadual, foi criada uma CPI na Assembleia Legislativa para averiguar violações de direitos humanos nas instituições universitárias, que ficou conhecida como CPI dos Trotes. A CPI documentou denúncias de racismo institucional e de uma cultura do estupro nas universidades. O relatório verificou que “112 estupros em 10 anos” teriam sido cometidos “no chamado ‘quadrilátero da saúde’ área da USP onde estão concentradas no Bairro de Pinheiros, na Capital paulista, as faculdades ligadas às Ciências Médicas”.
Um dos casos foi o de Daniel Tarciso da Silva Cardoso. Ele foi acusado de dopar uma estudante para manter relações sexuais à força em 11 de fevereiro de 2012, depois de uma festa da USP na sede da Atlética de Medicina.
A vítima procurou o Judiciário já em 2012, bem antes da CPI. No entanto, só depois da Comissão, onde o acusado nunca apareceu para explicar-se, apesar de convocado, é que ele acabou sendo suspenso pela faculdade por um ano e meio. As denúncias dos coletivos feministas da USP eram sumariamente ignoradas pela direção da Faculdade.
Duas estudantes de Medicina da USP que também foram dopadas e sofreram abusos do acusado, foram testemunhas. Drauzio Varella, na época, escreveu e gravou vídeo contra a cultura de estupro na Faculdade de Medicina. No entanto, no fim de 2016, a Faculdade realizou secretamente a colação de grau, para evitar protestos e proteger o acusado.
Em 7 de fevereiro de 2017, o juiz Klaus Marouelli Arroyo, da 23ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, absolveu-o ignorando não só laudos psicológicos e psiquiátricos que atestam que a vítima passou por abuso sexual, bem como exame médico que comprovou escoriações decorrentes de violência. A sentença invisibilizou a voz e o corpo da vítima.
Em abril de 2017, Daniel Tarciso da Silva Cardoso conseguiu finalmente o registro de médico no Conselho Regional de Medicina de Pernambuco. Além disso, pretende especializar-se em ginecologia e obstetrícia.
Não foi a primeira vez que o acusado enfrentou problemas com a Justiça: entre 2004 e 2008, ele foi policial militar e, já em seu primeiro ano de serviço, matou um homem com oito tiros durante briga em um bloco de carnaval. Condenado por homicídio culposo, o Tribunal de Justiça, acabou extinguindo sua pena em 2012 julgando recurso da defesa. Além de ignorar de forma grotesca as leis e tratados que exigem uma justiça eficaz, justa e responsável com vítimas de crimes tão graves.
Chamamos todos para o Tribunal de Justiça de São Paulo para que a justiça seja feita nesse caso, e que a voz das vítimas seja ouvida contra o machismo estrutural e a cultura de estupro. 
Links:
Catraca Livre: “Drauzio Varella faz vídeo arrebatador sobre estupros na USP” https://catracalivre.com.br/cidadania/drauziovarella-faz-video-arrebatador-sobre-estupros-na-usp/
Renan Quinalha: “Cultura do estupro na USP”: https://revistacult.uol.com.br/home/cultura-do-estupro-na-usp/
Jornal do Campus: “Dois anos após CPI, casos de estupro não têm punição”: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2016/11/dois-anos-apos-cpi-casos-de-estupro-nao-tem-punicao/
Ponte Jornalismo: “Justiça de SP absolve estudante de Medicina da USP acusado de estupro” https://ponte.org/justica-de-spabsolve-estudante-de-medicina-da-usp-acusado-de-estupro/
Ponte Jornalismo: “MP recorre de sentença que absolve aluno da USP acusado de estupro” https://ponte.org/mp-recorre-desentenca-que-absolve-aluno-da-usp-acusado-de-estupro/
Agência Brasil: “Ex-aluno da USP acusado de estupro obtém registro de médico em Pernambuco” http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-06/ex-aluno-da-usp-acusado-de-estupro-obtem-registro-demedico-em-pernambuco

O vídeo de Drauzio Varella trata especificamente do problema de o curso de Medicina dar acesso ao corpo alheio, o que suscita várias questões éticas. Dá também acesso a drogas, como as que são usadas para dopar vítimas de violência sexual e, acrescento, concentra estudantes com renda mais elevada, isto é, pessoas que podem estar mergulhadas em uma cultura da impunidade.
Trata-se de uma das denúncias documentada pela histórica Comissão Parlamentar de Inquérito constituída na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo com a finalidade de "investigar as violações dos direitos humanos e demais ilegalidades ocorridas no âmbito das Universidades do Estado de São Paulo ocorridas nos chamados 'trotes', festas e no seu cotidiano acadêmico".
Ela ficou conhecida como CPI dos Trotes, mas foi bem além da recepção a calouros, e documentou, com a iniciativa do então deputado Adriano Diogo, um cotidiano de violações de direitos humanos na vida universitária e o silêncio das direções dessas instituições diante da situação. Foi a primeira CPI a tratar do assunto, e é curioso que tenha ocorrido na Alesp, cuja tradição é a de comissões que só produzam sua ata de abertura e a de encerramento, ou, no máximo, quando algo mais se realiza, algum relatório inócuo.
Este relatório, publicado no Diário Oficial de 15 de abril de 2015, é um documento de leitura obrigatória no tocante à violação dos direitos humanos no Brasil: http://www.al.sp.gov.br/alesp/cpi/?idComissao=13033. Ele constitui um documento da convivência da elite universitária com práticas de racismo, homofobia e machismo, além de comprovar sua, digamos, deficiente elegância. Cito este trecho da página 38, com algumas das denúncias sobre as atléticas de Medicina:
Tomemos alguns exemplos dos muitos coligidos pela CPI:
- Em 2014 a Associação Atlética Acadêmica Rocha Lima (A.A.A.R.L.), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto pertencente à USP organizou um concurso denominado “Miss Rodeio”, no qual as mulheres são transformadas em objeto sexual;
- Ainda falando sobre a Atlética Acadêmica Rocha Lima da FMR/USP, do “Cancioneiro 2014 – Batesão”, produzido por essa entidade, extraí-se uma música que faz apologia ao estupro, um dos mais cruéis crimes praticados contra a liberdade sexual das mulheres. Parodiando a ingênua música “Terezinha de Jesus” (Terezinha de Jesus de uma queda / Foi-se ao chão / Acodiram três cavalheiros /...) a música a degenera em apologia ao estupro assim: “Terezinha biscatinha de uma queda foi ao chão Acudiram três cavalheiros todos os três com o pau na mão/ O primeiro pôs no cu/ O segundo
na buceta/ O terceiro, coitadinho, teve que bater punheta”
- Vídeo encartado no Anexo 5 traz as imagens da torcida formada por alunos da Faculdade de Medicina da PUCSP fazendo apologia ao estupro e outro vídeo.
Outro caso de violação dos Direitos Humanos que ficou evidenciada foi a declaração da psicóloga MARCELA, no dia 4.2.2015, momento em que ela relatou um típico caso de racismo. Por ser preta, foi barrada nas dependências da Faculdade de Medicina da USP, em particular na entrada de uma das entidades representativas.
Porém, o mais grave exemplo advém de um relato feito no dia 8.1.2015 onde se informa que há, na Casa do Estudante administrada pela Atlética da USP - e subvencionada com recursos orçamentários oriundos da Universidade de São Paulo – um lugar denominado “Quarto do Estupro”. Transcrevamos para ilustrar:
Um "quarto de estupro"! Não transcrevo. Mas vejam a página seguinte:






































Como sempre, cliquem para aumentar o tamanho da imagem. Não transcrevo as músicas dessa página, em que racismo e misoginia são combinados de forma particularmente abjeta, e que faz indagar como as mulheres e a população negra seriam atendidas por esses futuros profissionais de saúde.
Como todos devem lembrar, até mesmo o programa dominical das noites da TV Globo interessou-se pelo caso, pois o diretor da faculdade de Medicina da USP saiu do silêncio público diante das denúncias do grupo feminista da instituição, o Coletivo Geni, para desqualificar as denúncias. Adriano Diogo, por sua vez, diz que nunca havia se sentido tão pressionado, nem mesmo na presidência da Comissão da Verdade "Rubens Paiva", em que tratou de assuntos como tortura, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados da ditadura, do que naquele momento, em que lidava com as graves violações de direitos humanos ocorridas nessas grandes instituições universitárias do Estado de São Paulo.
Imagino que, de forma alguma, o problema se restrinja a esse Estado. Lembramos do episódio de machismo dos "Pintos Nervosos" da faculdade de Medicina da Universidade de Vila Velha em 2017. Ou a turma de Medicina "Dopasmina" da Universidade Federal da Paraíba.
Em fevereiro de 2015, antes mesmo dos encerramentos dos trabalhos da CPI em 10 de março, a USP firmou acordo com o Ministério Público para proibir trotes violentos. A PUC-Campinas, em junho do mesmo ano, demitiu três professores.
A matéria do HuffPost, "CPI das Universidades conclui trabalho com suspeitas de mais de 110 estupros na USP e problemas crônicos com trotes e álcool", em 13 de março de 2015, transcreveu todas as 39 recomendações da CPI: https://www.huffpostbrasil.com/2015/03/13/cpi-universidades-sp_n_6863322.html.
Entre elas, temos a necessidade de apuração criminal de todos os eventuais crimes cometidos. No entanto, o único dos ex-alunos que se tornou réu foi o julgamento deste dia 19, que já foi absolvido em primeiro grau.

ATUALIZAÇÃO: No dia 19, a Câmara decidiu  adiar o julgamento para 2 de agosto.

sábado, 7 de julho de 2018

Nem os mortos estão a salvo: São Paulo, o Cemitério da Quarta Parada e a prefeitura das cinzas

Escrevo esta nota porque várias pessoas me perguntaram sobre a questão do Cemitério da Quarta Parada e a cremação coletiva de cadáveres cujas identificações foram perdidas pela Prefeitura de São Paulo. A cremação foi autorizada judicialmente em 13 de junho, por meio de um processo que está sob segredo de justiça.
Lembro, antes de tudo, da importância de assinar o abaixo-assinado da Igreja Católica contra a iniciativa da Prefeitura de destruir os mortos, "Pela dignidade dos mortos na cidade de São Paulo". Destaco o início desse documento, que conta a história do que ocorreu:
Temos uma denúncia a fazer: a Prefeitura de São Paulo conseguiu obter na Justiça, em 13 de junho deste ano, autorização para cremar 1.600 corpos que estão no Cemitério da Quarta Parada, alegando que perdeu a identificação dos cadáveres, que tinham sido exumados entre os anos de 1941 e 2000.
No total, a cidade de São Paulo tem mais de 50.000 corpos nessa situação que, a partir deste precedente, correm o perigo de serem descartados como lixo. Entre eles, estão pessoas oficialmente reclamadas como desaparecidas por suas famílias ou conhecidos, e que foram enterradas como indigentes, sem que seus familiares tenham sido avisados da localização do corpo.
Isso ocorre em um momento em que a Prefeitura de São Paulo quer privatizar os 22 cemitérios públicos da cidade, as 15 agências funerárias, as 118 salas de velórios e o crematório municipal da Vila Alpina.
São famílias, amigos e conhecidos que sofrem diariamente a angústia de nunca mais saber de um ente querido desaparecido, que vivem um luto sem fim por absoluta incúria do poder público. O Ministério Público do Estado de São Paulo apurou que pessoas oficialmente reclamadas como desaparecidas, muitas vezes portando seus próprios documentos, são enterradas como indigentes, sem que os seus familiares sejam informados. É o que se chama de “redesaparecimento”.
A situação, evidentemente, choca as pessoas em geral, e não apenas os católicos. Trata-se de uma questão de dignidade humana, a maneira como tratamos os restos mortais.
Lembremos que, ano passado, Doria tentou privatizar os cemitérios, mas, como já havia ocorrido nessa gestão curta e desastrosa, o edital não era regular, e o Tribunal de Contas do Município a suspendeu: "Tribunal aponta 15 irregularidades em chamamento público aberto para receber estudos para a concessão dos 22 cemitérios e do crematório da Vila Alpina".


Como nem os mortos estão a salvo, lembrava Walter Benjamin na sexta tese sobre o conceito de história, é necessário proteger também a eles. Acima, vê-se foto que tirei do ossário coletivo do Cemitério da Quarta Parada, rodeado de velas em ato ecumênico realizado dia 30 de junho, em homenagem a esses restos mortais ameaçados.
O furo jornalístico foi dado por Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres, que publicou no dia 26 de junho a matéria "EXCLUSIVO! PSDB consegue na (in)Justiça o direito de descartar como lixo os cadáveres de 1.600 pessoas".
Ela entrevistou quem descobriu o processo que autorizou a cremação, Adriano Diogo, ex-presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva", e ex-membro da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo. Falou também comigo (eu soube da questão por causa de Adriano, com quem trabalhei nas duas comissões), e com a promotora que coordena o Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID), Eliana Vendramini.
Vendramini, com Patrícia Visnardi Gennari, foi a autora deste estudo, um dos materiais de apoio do Ministério Público do Estado de São Paulo, que explica por que é inconstitucional a incineração de cadáveres não identificados, "O Ministério Público em busca de pessoas desaparecidas: A função social dos ossários perpétuos em cemitérios públicos". Ressalto este trecho:
Imaginemos a situação da exumação dos restos mortais das pessoas que foram inumadas sem a presença de qualquer familiar conhecido do Poder Público. Nesse caso, a praxe é a realização do ato com acompanhamento de responsável público e envio dos ossos ao ossário geral. Até aí, as famílias prejudicadas pela falha estatal especificamente ora estudada, ainda terão a chance de, um dia, localizarem esses ossos.
Ocorre que essa chance (direito) tem dia para acabar, porque volta à pauta a preocupação com o uso do espaço público, ora representado pelo ossário geral. Os Provimentos nº 24/1993 e 22/2006, da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça, autorizam o esvaziamento desse espaço, a pedido, mas, certamente, estiveram e estão calcados na ignorância dos fatos descobertos, em 2014, pelo MPSP/PLID.
O corpo enterrado sem identificação ou com identificação, mas presumido pelo Instituto Médico Legal e pelo Serviço de Verificação de Óbito como “não reclamado”, repisa-se, pode, sim, ser de uma pessoa cujos familiares buscam dia após dia e a cremação impede, ad eternum, o exercício dos direitos fundamentais exaustivamente acima expostos.
E não se diga que os citados Provimentos se acautelam com o chamamento dos possíveis interessados via edital (art. 1º, §1º, alínea ‘b’, Provimento nº 22/2006), porque, em sede de desaparecimento, a sequência de falta de notificação dos familiares não pode culminar com um ato meramente protocolar do Diário Oficial. Essa é mais uma inconstitucionalidade a permear a presente tragédia.
Portanto, os ossários gerais, apenas no que diz respeito aos restos mortais de indigentes ou não reclamados, dada a factível dúvida sobre essa catalogação, mesmo a despeito de bons argumentos acerca do uso do espaço público, não podem ser alvo de cremação. Esses ossários devem ser tidos como perpétuos, senão até inequívoca identificação pessoal. O ônus do uso desse espaço público é suportado pelo bônus social atendendo-se à justa distribuição dos benefícios sociais, princípio basilar em direito urbanístico. 
Depois da matéria de Capriglione, outros veículos jornalísticos trataram de cobrir a questão. A Folha de S. Paulo, no dia 28, publicou a matéria de Guilherme Seto, "Justiça autoriza gestão Covas a cremar 1600 ossadas". Vejam nela que a Prefeitura afirma que a cremação "não tem qualquer relação com a concessão dos cemitérios". Deve ser uma coincidência... A matéria registra meu comentário sobre a violação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), neste caso: os direitos à verdade, à proteção e às garantias judiciais serão feridos com a eventual cremação.
Dia 29, o G1 deu a notícia, "Prefeitura de SP consegue na Justiça direito de cremar 1.600 ossadas do Cemitério da Quarta Parada", que também apareceu no telejornal local, SP TV. Porém não tratou das recomendações da Comissão da Verdade da Prefeitura.
Achei muito boa a matéria da Agência Brasil : "Órgãos de direitos humanos recorrerão da decisão de incinerar ossadas", salvo por um detalhe: ela divulgou erroneamente que eu era "coordenador do Instituto de Pesquisa dos Direitos e Movimentos Sociais", embora eu só coordene o GT de Direito, Memória e Justiça de Transição. Ela tratou da Comissão da Prefeitura, que acatou as orientações do PLID do Ministério Público e recomendou cessar a cremação de corpos não identificados, por violar a Constituição. O Conjur resolveu usar essa matéria e repetiu o erro, cometendo ainda outro: datou-a, estranhamente, de 1o. de junho. A decisão judicial ocorreu em 13 de junho.
Na TV Brasil, nesse mesmo dia, essa explicação que eu havia dado apareceu. O mesmo se deu na matéria da TVT, produzida e veiculada no dia 2 de julho.
Insisto nas recomendações da Comissão porque, a partir de 2012, os esforços de justiça de transição no Brasil, conseguiram propagar-se nas diversas comissões da verdade que se formaram. Agora, poucas há em funcionamento. As que funcionaram melhor geraram relatórios com recomendações de memória, verdade e justiça que servem de um programa atual para democratização do país.
Aqui está o relatório: https://t.co/c68sORNOt3. Às páginas 275 e 276, lê-se a recomendação da não realização de cremação de ossadas não identificadas. A Recomendação nº 12 corresponde justamente a "Criar uma política de gestão dos ossários dos cemitérios municipais e impedir que a cremação seja usada para resolver o problema da superlotação". em são Paulo, descobriu o PLID, "frequentemente cidadãos com identidade
conhecida são encaminhados para o sepultamento em cemitérios municipais", sem que suas famílias o saibam. A cremação de desconhecidos ou não reclamados impede "a possibilidade de localização posterior pelas famílias. A prática desrespeita os direitos fundamentais das famílias sobre o corpo de seus parentes, assegurados pelo Código Civil."
Tudo isto foi publicado, evidentemente, no Diário Oficial (cliquem no mouse, à direita, em "abrir link em outra guia" para ampliar a imagem).



No sábado, dia 30 de junho, realizou-se no Cemitério um ato ecumênico organizado pelo Padre Júlio Lancellotti, depois que Adriano Diogo levou a denúncia às autoridades da Igreja Católica em São Paulo. A foto acima, tirei-a nessa ocasião. Janaina Teles, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, e Dimitri Sales, do Instituto Latino-Americano de Direitos Humanos, falaram na ocasião, bem como Laura Capriglione. Gravei em vídeo dois trechos do ato: https://www.youtube.com/watch?v=1-iXeE-9ikY&list=PLjnOF9ifc4n-0Iku45sVUVXFJp7o4f9WS&index=1
A TV Cultura estava lá, mas foi impedida pela Guarda Municipal de acompanhar o ato. Notem que a Prefeitura, que poderia estar lá para dialogar a respeito da situação, somente esteve presente por meio de seu órgão de repressão.
Repressão, redesaparecimentos de cadáveres. Durante a ditadura militar, os cemitérios de São Paulo integraram o sistema de crimes contra a humanidade, em que se baseava o regime, e eram usados como local para desaparecer corpos. Nesse sentido, o relatório da Comissão da Prefeitura retomou as conclusões da CPI da Vala de Perus, aberta no governo da Prefeita Luiza Erundina em 1990.
Creio que muitos dos relatórios das Comissões da Verdade que se formaram nesta década no Brasil são documentos com o potencial para serem tomados, apoderados, empunhados pela sociedade civil como instrumento para impedir retrocessos democráticos e para fazer avançar direitos, como neste caso do Cemitério da Quarta Parada. Por essa razão é tão importante lê-los, estudá-los e prosseguir nessas pesquisas sobre o passado recente.