Em vídeo, Crimeia reafirma que o autor "escreve o que os militares querem" e que o "livro prima pela difamação das pessoas".
Osvaldo Bertolino, em "Guerrilha do Araguaia: borboletas, lobisomens e inverdades", aponta diversos erros no tocante às fontes que teriam sido utilizadas por Studart, bem como erros básicos sobre a história do PCdoB.
A historiadora Joana Monteleone, em "Precisamos falar do pai de Hugo Studart", além de lembrar de quem o autor é filho ("Hugo Studart é filho de um tenente-aviador que ocupava, durante o massacre que foi o combate à Guerrilha do Araguaia, um alto posto no comando do CISA, o serviço de informações da Aeronáutica") criticou o uso inortodoxo de fontes pelo autor:
Os militares citados nos volumes nunca têm nomes, as fontes nunca aparecem falando, os documentos são escondidos ou, no máximo, são parcialmente revelados. Nunca se sabe quem passou o documento para ele ou aonde os papéis se encontram – algo fundamental numa pesquisa acadêmica bem fundamentada ou numa boa apuração jornalística, que é abrir a possibilidade de checagem e de reuso e reinterpretação.Augusto C. Buonicore, em "Uma nova narrativa reacionária e misógina sobre a Guerrilha do Araguaia", também criticou as curiosas fontes de Studart, e destacou a estratégia do livro de acusar o PCdoB do que as Forças Armadas fizeram:
É desleal ao afirmar: “até a presente data, o PCdoB não abriu os seus arquivos”, insinuando que o Partido teria algo a esconder, comparando-o às Forças Armadas. Ele sabe muito bem que o grosso dos arquivos partidários caiu nas mãos dos órgãos de repressão quando do Massacre da Comissão Nacional de Organização (1972-1973) e da Chacina da Lapa (1976). Os documentos do Partido, inclusive os relativos ao debate sobre o Araguaia, foram apreendidos e nunca devolvidos. Novamente tenta se levantar suspeitas e jogar a culpa sobre a vítima do arbítrio.Fizeram e continuam a fazer: inobstante a condenação do Estado brasileiro no caso Gomes Lund e Outros pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, os guerrilheiros continuam desaparecidos.
Em 2011, escrevi neste blogue, também a propósito da Guerrilha do Araguaia, que "uma colega de faculdade falou-me de antropóloga argentina que afirmou não existir, no Brasil, problema de memória, e sim apenas de justiça. Infelizmente, a pesquisadora estava muito errada, pois a memória tem sofrido ataques constantes ultimamente", e critiquei decisão da juíza Diana Brunstein, da 7a. Vara Federal em São Paulo, para quem, aparentemente, o Estado brasileiro não havia sido condenado pela Corte Interamericana.
A memória continua sendo disputada, e é impressionante que narrativas inverossímeis fundadas em documentos jamais vistos ganhem tanto destaque.
Recebi a informação de que dia 31 de agosto de 2018, sexta-feira, às 18:30h, será realizado o ato "Os desaparecidos políticos e o direito à memória, verdade e justiça" no anfiteatro da Reitoria da Unifesp, com a presença da Magnífica Reitora, Soraya Smaili, a presidenta da Comissão Especial de mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga, o advogado Belisário dos Santos Jr., o professor Marcelo Ridenti (Unicamp), a própria Crimeia, Suzana Lisbôa que, como ela, integra a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, e a professora Carla Osmo (Unifesp).
O evento deverá aparecer nesta ligação: https://www.unifesp.br/reitoria/proex/index.php/acoes/cursos-de-extensao-e-eventos/cursos-e-eventos
Segue, abaixo, a nota da Comissão de Familiares.
NOTA DA COMISSÃO DE FAMILIARES DE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS
Em solidariedade aos familiares dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia
A Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos vem, por meio desta nota, manifestar seu repúdio ao jornalista Hugo Studart no que tange à publicação do livro “Borboletas e Lobisomens”, de sua autoria, que contém múltiplas mentiras e difamações. Com a publicação, o autor evidencia seu objetivo de reeditar a “teoria dos dois demônios”, em uma tentativa de igualar a violência dos militares que cometeram crimes contra a humanidade à ação dos guerrilheiros que lutaram contra a ditadura.
A Guerrilha do Araguaia, desenvolvida no sudeste do Pará entre 1972 e 1975, constituiu-se em um movimento de resistência à ditadura militar. Caracterizada pelos conflitos fundiários, essa região assistiu à brutal violência exercida pelas Forças Armadas, utilizada em larga escala contra a população local. O terror e a intimidação instalados ganharam contornos especiais a partir da disseminação dos campos de concentração. Camponeses e indígenas foram aterrorizados com a prática generalizada da violência, sob a justificativa de se evitar “os efeitos multiplicadores” da guerrilha. De acordo com as investigações realizadas pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e o Ministério Público Federal (MPF), a maioria dos guerrilheiros foi sequestrada, torturada e executada por agentes do Estado. Os fatos que envolveram este extermínio foram censurados e estiveram ausentes dos noticiários da imprensa por um largo período.
A presença de notórias zonas de silêncio acerca do ocorrido e a ausência de esforços sistemáticos para a circunscrição factual dos crimes da ditadura, com a decorrente punição dos responsáveis, levaram à condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), em 2010. De acordo com a Corte, o Brasil deve esclarecer esses crimes e responsabilizar criminalmente seus autores. As pressões decorrentes da condenação levaram o Brasil a criar a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e a editar a Lei de Acesso à Informação, ampliando o debate público sobre o legado da ditadura. Ademais, a CNV publicou em seu relatório final os nomes de 377 torturadores, dentre os quais muitos atuaram no extermínio dos guerrilheiros do Araguaia.
Na atualidade, os principais aspectos da sentença da OEA ainda não foram cumpridos, sendo vedado o acesso aos arquivos militares aos integrantes da CNV, bem como aos familiares dos mortos e desaparecidos políticos. A despeito desse panorama desolador para as famílias, esse senhor defendeu uma tese de doutorado na UnB sobre a Guerrilha do Araguaia, transformado no livro mencionado acima, no qual afirma que sete guerrilheiros desaparecidos durante a repressão ao referido movimento estariam vivos e teriam estabelecido acordos de “delação premiada” com militares do aparato repressivo. O autor, entretanto, não apresenta nenhuma prova que confirme tais fatos, além de não mencionar os verdadeiros nomes dos militares repressores, que se constituem na fonte do referido do livro.
É digno de nota que, o autor do livro difama guerrilheiros com relatos imbuídos de misoginia e sexismo. Ele se refere à guerrilheira Áurea Elisa Pereira (1950-1974) – a qual teria sido presa com uma criança de colo e executada –, como alguém que se apaixonou pelo seu algoz e executor, transformando em ato de amor, o estupro que provavelmente foi perpetrado contra ela pelo agente do Estado. Nesse sentido, o relatório da CNV sublinhou que o estupro praticado contra militantes presos se transformou em prática corrente, conforme se pode ler abaixo:
“[...] Os registros da prática de violência sexual por agentes públicos indicam que ela ocorria de forma disseminada em praticamente toda a estrutura repressiva. Nos testemunhos analisados pelo grupo de trabalho “Ditadura e Gênero” são citados DEIC, DOI-Codi, DOPS, Base Aérea do Galeão, batalhões da Polícia do Exército, Casa da Morte (Petrópolis), Cenimar, Cisa, delegacias de polícia, Oban, hospitais militares, presídios e quartéis. [...] (cf. CNV, Relatório, cap. 10, item 37, p.421)”.
O referido autor afirmou ainda que Criméia Alice Schmidt de Almeida, integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, teria feito acordo de “delação premiada” e entregue à repressão seu próprio companheiro e pai de seu filho, André Grabois. Com efeito, Criméia atuou como guerrilheira do Araguaia entre 1969 e 1972, tendo sido sequestrada por agentes do DOI-Codi/SP, grávida de 7 meses, ao lado de seus sobrinhos, Janaína e Edson Luís, no final daquele ano. Ela foi torturada antes e depois do nascimento de seu filho no Hospital do Exército, localizado na cidade de Brasília, em fevereiro de 1973. Em seu depoimento concedido à CNV, ela relata esta experiência-limite (cf. registrado em https://www.youtube.com/watch?v=BM04VC_fd00 ).
Tão logo saiu do cárcere, a despeito das perseguições, Criméia foi trabalhar como auxiliar de enfermagem, dedicando-se a denunciar os crimes da ditadura e ao esclarecimento dos crimes de desaparecimento forçado, em particular daqueles ocorridos na região do Araguaia. Ademais, participou ativamente da campanha pela anistia aos perseguidos e presos políticos. Desde então, tornou-se uma das principais referências dos familiares e das demandas por “verdade e justiça” no país, além de ser copeticionaria da ação contra o Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Sua dignidade e dedicação jamais foram questionadas. Não por acaso, o autor sublinha que Crimeia foi a única guerrilheira sobrevivente a denunciar as torturas a que foi submetida.
Diante da impossibilidade de justificar a atitude indefensável dos militares que torturaram, estupraram e executaram dissidentes, o mencionado jornalista tenta confundir as diligências e as lutas por “verdade e justiça”, conspurcando a memória e as ações das vítimas, em particular, dos protagonistas de conquistas no campo dos direitos humanos, tais como as sentenças internacionais que cobram do Estado brasileiro o esclarecimento dos desaparecimentos forçados e a punição dos autores dos crimes de lesa-humanidade, considerados, portanto, imprescritíveis.
Agosto de 2018.
Pelo esclarecimento dos crimes da ditadura!
Pela punição dos responsáveis!
Pela abertura dos arquivos das Forças Armadas!
http://www.grabois.org.br/portal/noticias/154574/2018-09-01/livro-de-studart-serve-a-tortura-de-familiares-de-desaparecidos-politicos
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