O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

O absurdo e ordinário no romance Urinol, de Diego Callazans

Diego Callazans tinha-me pedido uma orelha para seu primeiro romance, Urinol. Eu gostei bastante do livro, que tem a estranheza da prosa, já bem própria, desse autor, e a presença de personagens LGBTQIA+, uma constante em sua ficção, que inclui não apenas Contos estranhos, publicado em 2019, como a novela Teresa, que está em campanha de financiamento coletivo.

A obra nasceu de um programa de residência literária do Sesc em Santa Catarina. Vejam este pequeno vídeo no sítio da instituição com recomendações literárias de Callazans, que incluem Orlando, de Virginia Woolf. Em Urinol, há uma mulher transexual e há magia, mas esses elementos não se cruzam como no romance da escritora inglesa. A história do livro é bem brasileira: tivemos no país recentemente uma escalada de assassinatos transfóbicos: recente relatório da ANTRA (a Associação Nacional de Travestis e Transexuais) estimou 89 casos de pessoas trans assassinadas no primeiro semestre de 2021. 

Essa violência aparece em Urinol, porém mais não digo.

Copio da imagem da capa no twitter do autor, que indica a ligação para a compra:


Creio que vejo pelos felinos sobre o livro. Uma gata é personagem, por sinal.

Apesar de eu ter atendido ao tamanho solicitado, o editor resolveu cortar e reescrever o texto por conta própria. Acho que não ficou bom; reconheço que talvez antes também não estivesse. No entanto, como o autor gostei do que eu havia escrito, e o textinho sempre pode servir para divulgação do romance, segue a orelha que escrevi:


Em 2019, Diego Callazans, após alguns volumes de poesia, publicou seu primeiro livro de prosa de ficção, Contos estranhos. O efeito de distanciamento causado pelo narrador, que contava imperturbável e formalmente fatos grotescos e cruéis, indicava uma personalidade singular na literatura brasileira, sem correspondente entre os contemporâneos.
O mesmo efeito aparece em Urinol, seu primeiro romance, cujo título evoca tanto o banheiro do primeiro capítulo quanto o célebre readymade de Duchamp, “Fonte”. A história se passa em Aracaju e combina a paixão entre uma mulher transexual e um lutador cis; um artista andrógino que chega à maneira do Teorema de Pasolini (como um Deus), por quem se apaixonam um pai de família e a gata Pandora; a mãe de família e seu amante devorado; um happening que se torna carnificina; a jovem lésbica (em parte inspirada em Jacqueline du Pré) que lida com entidades cósmicas e o violoncelo; um incêndio transfóbico; e a arte, motivo de aulas e crimes.
“A arte redime a espécie”, lê-se na inscrição do banheiro. O que é, portanto, o urinol, uma obra de arte, um objeto útil, ou a redenção? O romance inspira-se no gesto de Duchamp de alterar a percepção do público e brincar com contextos e fronteiras. A ambiguidade dos personagens, desde o seu gênero, estrutura a história até o súbito final, tão surpreendente quanto lógico – caracterização que se pode estender ao conjunto da prosa de Callazans: uma arquitetada combinação do comum com o absurdo (única possibilidade de redimir-se).

 

Um comentário:

  1. Obrigado, Pádua. A orelha ficou fantástica. Pena que não está completa e foi modificada no livro.

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