Foi publicado mais um livro no Brasil do poeta português Manuel de Freitas, Jukebox, desta vez pela Corsário-Satã. O autor me pediu uma orelha, que transcrevo abaixo.
Na poesia portuguesa, Arte da música, de Jorge de Sena, talvez possa ser visto como um precedente. Estes poemas de Manuel de Freitas, no entanto, distinguem-se por serem tolhidos de qualquer didatismo e se formarem a partir de uma dialética entre esquecimento e memória, típica deste autor, enunciada no poema dedicado à dupla Milva/Piazzolla: “Muitos anos depois,/ encontrei o disco e assustou-me/ a perfeição, a certeza/ de ter ganhado tudo aquilo que perdi.”
O disco é um registro da música; nele, algo se perde da execução. O poema sobre o disco corresponde a novo registro, a representar aquela perda e acrescentar-lhe outra. Este é o seu ganho, uma consciência aguda da despossessão: “perceber que a luz esmorece/ e que não há ninguém na sala, no abandonado castelo/ onde o corpo foi apenas uma hipótese de ruína.” (“1992, Von Magnet”).
O poema, ou a luz que esmorece para dar a ver que nada havia.
A geografia íntima de certa vida noturna de Lisboa, presente em outras obras de Manuel de Freitas, também ressoa neste espaço: “só ressuscitei,/ muitas tequilas depois, num bar exíguo/ que confundi com o amor”, diz em “Ron Athey”, que se revela, no final, outro poema sobre a morte.
No entanto, Jukebox ecoa um senso de júbilo; afinal, “Nada deveria ser tão triste,/ até porque nada deveria ser.” (“1988, Chet Baker”).
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