O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

sábado, 9 de abril de 2022

Desarquivando o Brasil: CLXXXII: 50 anos da Guerrilha do Araguaia, evento em 12 de abril



No Canal Narrativas da Ditadura Brasileira (inscrevam-se aqui: https://www.youtube.com/channel/UCgQ1CvcgV2yfIDnAvw2tmuA), capitaneado pela professora Luciana Coronel, acontecerá um debate ao vivo, com o depoimento da ex-guerrilheira Crimeia de Almeida (uma das poucas sobreviventes da Guerrilha) e participação minha (pelo IPDMS) e da historiadora Janaína Teles (professora da UEMG).

Ambas são membros da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, sem a qual o Estado brasileiro não teria sido condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e Outros vs. Brasil em 2010 (vejam a sentença), movido a partir dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. Entre as consequências dessa condenação internacional, embora ainda descumprida pelo Estado, estão a Lei de Acesso de Informação e a criação da Comissão Nacional da Verdade.

Criméia foi torturada grávida, deu à luz na prisão e sofreu violência obstétrica; aqui, se pode ver o depoimento que ela deu em 2013 à Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" sobre sua história:

Sobreviventes da ditadura relatam tortura de gênero - Parte 1:  https://www.youtube.com/watch?v=-YCg0cIsiKc

 Sobreviventes da ditadura relatam tortura de gênero - Parte 2:  https://www.youtube.com/watch?v=cmIW0wl_Br0

Tudo o que ela conta é impressionante, como a preparação que o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, fez antes de 1964 para a repressão politica, o IPM que ela teve de responder depois do golpe como membro do movimento estudantil secundarista, a prisão em Ibiúna, o Araguaia e, anos depois, a tortura feita pelos médicos após o parto. Seu companheiro, André Grabois, é um dos desaparecidos do Araguaia, bem como seu sogro, Maurício Grabois, todos do PC do B.

Essas histórias não encontram grande circulação; sobre essa amnésia social, cito Janaína Teles ("Os segredos e os mitos da Guerrilha do Araguaia"):

Os governos militares decidiram extirpar a guerrilha da história; o movimento não deveria produzir sequer efeitos judiciais. Perante a justiça militar, a Guerrilha do Araguaia não existiu – os processos movidos contra os sobreviventes não fizeram menção ao fato4. A maioria, presa no início da guerrilha ou fora da área do conflito, sequer chegou a ser processada, tal como ocorreu com Danilo Carneiro e Criméia de Almeida, mantidos confinados por vários meses sem acusação formal (Carneiro, 2010; Almeida, 2008). Os que foram processados acabaram condenados apenas por sua militância em partido clandestino, o PC do B.

Os guerrilheiros permanecem na condição de desaparecidos políticos, uma vez que seus restos mortais continuam em locais ignorados5. Filhos de guerrilheiros, nascidos durante os combates ou em cativeiro, teriam sido apropriados pelos militares.

O apagamento da história persistiu; relembro que a própria Comissão Nacional da Verdade não iria tratar da Guerrilha, o que foi denunciado em agosto de 2014 por Adriano Diogo, presidente da Comissão "Rubens Paiva", e Amelinha Teles, então assessora desta Comissão (depois passaria a coordená-la). Depois disso, a CNV decidiu contratar em setembro pesquisador para elaborar em tempo recorde o capítulo que integrou o relatório final, que seria entregue no início de dezembro (a Carta Capital publicou matéria sobre a denúncia, "Relatório final da Comissão da Verdade pode ficar sem capítulo sobre o Araguaia").

O momento político é de apagamento dessas histórias e de negacionismo dos crimes de lesa-humanidade do Estado brasileiro e das Forças Armadas, que voltaram ao poder com um preposto que debocha abertamente do direito dos familiares de desaparecidos ao luto. Espero que o evento contribua, ainda que modestamente, para a reversão do estado de coisas.

Adendo:

A ligação para o evento: https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=bQ2tXZSZAio

Nenhum comentário:

Postar um comentário