O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Lula no primeiro turno, ou não há simetria entre os dois lados

Este é meu tuíte fixado desde 2018: trecho do programa eleitoral de Fernando Haddad, então candidato a presidente da república pelo PT, com Amelinha Teles e Janaína Teles falando das torturas que sofreram sob comando de Brilhante Ustra, e o atual ocupante da presidência (então candidato) elogiando aquele militar, oficialmente declarado pelo Judiciário brasileiro como torturador.



As duas receberam ameaças anônimas depois e o PT teve um programa político tirado do ar pela Justiça Eleitoral justamente por mostrar Bolsonaro elogiando aquele militar, que havia sido declarado oficialmente torturador pelo Judiciário brasileiro em processo movido pela Família Teles. Note-se que as instituições fizeram sua parte durante a campanha de 2018, o que incluiu a censura inconstitucional (e contrária ao Direito Internacional) da entrevista da Folha de S.Paulo com Lula por Ministro do Supremo Tribunal Federal
Em outubro de 2018, em razão dessas ameaças, redigi com Diogo Justino uma nota pelo grupo de trabalho de Direito, Memória e Justiça de Transição do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais, que o IPDMS não quis publicar.
Tratava-se, no entanto, de uma questão muito relevante politicamente. O atual ocupante da presidência da república elogiou o torturador várias vezes, porém foi na fatídica votação na Câmara dos Deputados em 2016 que escancarou as portas do golpe contra Dilma Rousseff, que projetou o então deputado federal com mais intensidade, além de confirmar, a despeito dos ingênuos, dos incrédulos e dos cúmplices, que o Congresso Nacional tinha realmente decidido romper com a democracia no Brasil. Em caso contrário, Bolsonaro teria sido cassado por aquele ultraje à dignidade humana.
Sabe-se que ultrajar a dignidade corresponde a um dos meios para fazer carreira política, tendo em vista os fins das instituições políticas brasileiras, que conflitam mais ou menos abertamente com os princípios juridicamente instituídos (no atual governo, a colisão é explícita). No entanto, deve-se ressaltar que o voto na apologia aos crimes contra humanidade, na misoginia, no ódio contra indígenas, negros e a população LGBTQIA+ venceu em 2018 em parte por causa do número enorme de votos brancos, nulos e abstenções; somando essas três categorias, 42 milhões de pessoas deixaram de escolher um dos candidatos no segundo turno. Não foram apenas as abstenções, pois o índice de votos brancos e nulos também impressionou: foi "o maior já registrado desde o fim da ditadura militar" (cito matéria da Deutsche Welle).
A situação não deve se repetir nestas eleições, por isso escrevo esta breve nota.
Em 2018, houve muita gente que lavou as mãos diante da anunciadíssima destruição das instituições democráticas e do prometido aumento da violência política. Gente que decidiu fingir, ou realmente achava (a lucidez não é como o sol, não brilha para todos), que Haddad era igual a quem recebia cheques do Queiroz.
Houve até mesmo quem, embora enxergasse paralelos com 1964 (o candidato Bolsonaro viu-os várias vezes, aliás, o que foi esquecido por certos filósofos que resolveram publicar recentemente sobre o bolsonarismo), militares à frente, julgasse que o país vivia uma "escolha difícil". Outras pessoas, com melhor percepção da situação, escolheram com facilidade votar em alguém que considerava áureos os tempos de genocídio indígena, tortura, corrupção, epidemias escondidas pela ditadura militar. Estes foram os fascistas. Por sinal, pudemos ver que, em regra, os perfis neonazistas nas redes sociais escolheram 17 em 2018. Cada um escolhe sua companhia.
Aqueles tempos inaugurados com o golpe de Estado de primeiro abril de 1964 também representaram o encolhimento da renda do trabalhador, o ataque aos direitos sociais, devastação ambiental, desaparecimentos forçados, racismo fomentado pelo Estado, censura, e mais crimes que as diversas comissões da verdade tentaram apurar há poucos anos.
Que todos esses elementos do passado fossem retornar ou se intensificar nestes anos de volta explícita do partido militar ao poder era uma profecia autorrealizada. Mesmo a reação oficial à pandemia, ou seja, deixar que as pessoas morressem, tinha precedente na ditadura militar, como já escrevi. Os inimigos da democracia têm, de fato, motivos para estarem felizes, mesmo se ficaram mais pobres ou se tiveram mortos em razão de suas escolhas políticas. Como um Juscelino Kubitschek às avessas, Bolsonaro quase conseguiu vinte anos de retrocesso em quatro anos de mandato. Em termos de inflação, conseguiu até mais do que isso.
É claro que se trata do que os apoiadores de Bolsonaro querem, mesmo alegando que o fazem em nome da "liberdade" (como naquele significativo manifesto da direita em que o semianalfabetismo aliou-se curiosamente à estupidez política). Em nome da "liberdade", temos o recrudescimento da violência política, com diversos ataques dos apoiadores de Bolsonaro a eleitores da oposição, entre eles o assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT, que teve a festa de aniversário invadida por um policial civil bolsonarista.
A cobertura da imprensa tendeu a culpabilizar a vítima ou a naturalizar o assassinato, seja por um reconhecimento implícito de que sem a criminalidade política a direita não consegue chegar ao poder, seja por uma extensão além-pessoa da anistia informal com que Bolsonaro tem sido tratado pelas instituições. Não há simetria entre os "dois lados" ou entre o alvo e a bala, salvo para os cúmplices e/ou desvairados (que, no entanto, possuem megafones na esfera pública). Ainda escreverei sobre isso.
A Human Rights Watch lançou um apelo para a garantia do voto livre e seguro no Brasil. Quando o PT esteve no poder, isso nunca foi necessário; hoje, setenta por cento dos eleitores têm medo da violência política durante as eleições.
Como escrevi, há os que estão felizes, pois o eleito em 2018 cumpriu muitas das metas que tinha anunciado, como violação dos direitos dos povos indígenas, destruição da Amazônia e ameaças e ataques armados. Eles não são a maioria, porém. Em relação às outras pessoas, entre as quais me encontro, que não estão felizes com os massacres e a situação das chamadas instituições democráticas, a opção é votar 13 para a Presidência da República, dar já a vitória para Lula e não prolongar a violência política com um eventual segundo turno. 
Mais importante ainda, votar em candidatos aos Legislativos federal e estaduais que não conspirem contra a democracia nem se vendam para defender crimes contra o povo brasileiro. Senão, a violência continuará, além das eleições, com incitadores ungidos por mandatos políticos.

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