O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Nina e Paloma, de Diego Callazans

Li no Koo de Diego Callazans que será publicado, pela 7Letras, o livro de contos Nina e Paloma. Escrevi a orelha, meses atrás, que reproduzo aqui:



Diego Callazans surpreende o leitor deste segundo livro de contos desde a sua estrutura. Dividido em duas partes, “Contos de Nina e Paloma” e “Contos de Nina ou Paloma”, a obra anuncia-se composta de histórias em que aparecem, na primeira seção, as duas personagens do título (a detetive e sua auxiliar) e, na segunda, ou uma ou outra.

Não se trata apenas disso, porém. A primeira parte parece formar uma novela, pois as histórias ganham em ser lidas em conjunto. Todo o livro é atravessado pela tensão entre o conto e a latente forma do romance.

A tensão é reforçada pelos laços que Nina e Paloma mantém com o romance Urinol (2021), com que compartilha personagens, inclusive as que dão título ao conjunto. Ademais, ele confirma a importância das comunidades LGBTQIA+ na obra de Callazans. Paloma é lésbica e sente-se atraída por Nina; Désirée, outra personagem de Urinol que aparece neste livro, é uma mulher transexual.

A nova obra acentua os traços de literatura fantástica. Os crimes que Nina investiga pertencem ao universo do sobrenatural e envolvem espíritos e rituais mágicos. Paloma é moderadamente cética; o último caso em que atua revela a conturbada origem familiar de sua chefe e ajuda a explicar a atração pelo oculto. 

O que dizer dessa matéria da ficção, que desafia os sentidos? O conto “Persona” talvez dê uma chave: “Somente a arte é real o bastante”, em tensão com a fala de Nina em “Sofia”: “não entendo o idioma do Abismo”. O ininteligível, o nome mais compreensível do mistério, pulsa sob a fala. 

“Grimório”, o último conto, corresponde a um dos capítulos de Urinol, e não só pode ser lido autonomamente como se relaciona bem com o conjunto deste novo livro, dando-lhe um final lógico e inesperado. Ele retoma a tensão entre os gêneros literários (conto e romance) e reafirma a presença do ininteligível na imagem do "testemunho de uma voz abissal, que soava diretamente em seus crânios, falando-lhes em uma linguagem inumana", evocada pelos livros em relação aos quais nutrimos a “esperança – vã – de que ninguém os lesse.” 


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