contra o vidro do caixão;
assim exposto
o poeta.
– Ah, é? Tivemos de fechar às pressas porque o corpo estava atraindo os insetos. Esse amigo de vocês já chegou assim.
Boca aberta
do rosto esmagado
contra o vidro do caixão;
assim disposta
a voz do poeta.
– Não podemos fazer nada. Não temos autorização para mexer no corpo. Vão falar com o responsável.
Insetos libertando-se
da boca aberta
do rosto esmagado
contra o vidro do caixão;
assim reposta
a lírica do poeta.
– Eu só mexo no corpo para colocar no caixão. Depois, não é mais meu departamento. Eu sou terceirizado, vão procurar um funcionário, se acharem. Daqui a uma hora ele vai ser cremado, que diferença faz? Com licença, que chegou novo carregamento.
Outros seres começam a devorar
os insetos libertando-se
da boca aberta
do rosto esmagado
contra o vidro do caixão;
assim proposta
a dialética do poeta.
– Isto não é digno.
– Está um horror.
– Tenho uma chave de fenda.
– E daí?
– Serve para abrir indignidades à força.
Aberto o vidro,
recolocado o travesseiro,
ajusta-se o rosto;
o trabalho do desinfetante
consome os insetos
e a fome dos outros seres;
a boca do poeta liberta-se
de permanecer aberta em vão
ainda após a morte.
– Você sempre leva desinfetante na bolsa?
– Sou artista plástico, esqueceu?
Rosto pacificado,
insetos mortos,
constrangimentos extintos,
há agora quem duvide
que esteja exposto
o corpo do poeta.
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