O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

quinta-feira, 31 de maio de 2012

O palco e o mundo, Livros de Humanas e o direito à literatura

Há dez anos, foi publicado meu primeiro livro, O palco e o mundo, que Alberto Pimenta encaminhou a Vitor Silva Tavares, editor da & etc. Disponibilizo-o nesta ligação, no âmbito da campanha em prol do sítio Livros de Humanas e do Direito de Acesso aos bens culturais.
O sítio foi fechado por liminar judicial concedida à Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), como se pode ler neste panorama do caso.
Para ler sobre a campanha, recomendo a tradutora e historiadora Denise Bottmann, com dois textos até agora, um deles sobre a questão do acesso a livros no ensino unviersitário, outro sobre a atuação da ABDR e a provável irregularidade do processo contra o Livros de Humanas.
Indico também o professor e ensaísta Idelber Avelar  a respeito da prevalência do "direito ao conhecimento, à leitura, à expressão e à livre circulação de ideias" sobre a "leitura enviesada da lei de direitos autorais".
No sítio do Direito de Acesso pode-se ver que dezenas de autores já aderiram, inclusive Ricardo Domeneck, Veronica Stigger, Eduardo Sterzi, Angélica Freitas, André Vallias, dando acesso a seus livros, e também editoras como Azougue, de Sérgio Cohn, e Cultura e Barbárie, de Flávia Cera e Alexandre Nodari.
Em um país em que o iletramento é a regra e a educação é apagada a cada despacho assinado pelas autoridades (in)competentes, é evidente o grau de subversão de uma biblioteca virtual como era (e, espera-se, voltará a ser) Livros de Humanas. A mera possibilidade de ler corresponde a uma insurgência contra a brutal concentração que sustenta a ordem no Brasil, que é também uma concentração de direitos (ninguém se iluda com o princípio formal da igualdade). Por isso, sabota-se a todo momento o direito à educação e também o direito à literatura.
Quero lembrar de um poema que João Cabral de Melo Neto publicou em Crime na Calle Relator, "História de mau caráter". O poema narra um concurso para professor da faculdade de direito de Recife, com um concorrente rico e outro, pobre, que avisa o rico de que chegaram dois exemplares de um tratado italiano útil para o concurso. E foi buscar quem lhe emprestasse dinheiro para comprá-lo. É fácil adivinhar o final da história, quando o candidato pobre voltou, no dia seguinte, para comprar o livro:

Na loja, na manhã seguinte,
já no sebo os tratados nossos,
diz-lhe o caixeiro: "Esgotou ontem.
Vendemos os dois a um só moço."

Sempre me pareceu significativo que se tratasse de um concurso para a faculdade de direito, que não só formava essa elite de caráter duvidoso, como pelo fato de o poema poder ser lido como uma crítica ao direito de propriedade em nome do acesso à cultura.
Hoje, tal acesso pode ser reivindicado na categoria dos direitos sociais. Mas o ensino jurídico, em geral comprometido com essa elite, prefere a hipertrofia do direito individual. Trata-se de outra luta a ser travada, da qual a campanha pelo Livros de Humanas é apenas um capítulo. 

P.S.: Acima, pode-se ver a capa que Gunilla Lervik fez para a edição original do livro.

2 comentários:

  1. Fantástico post-síntese com referências essenciais para essa discussão até agora. Espero que seja lido por muita gente.

    ResponderExcluir
  2. Muito obrigado, Renata. Acho que será lido, pois foi incluído no sítio do Direito de Acesso: http://direitodeacesso.net.br/apoiadores/177/o-palco-e-o-mundo-livros-de-humanas-e-o-direito-a-literatura.html

    ResponderExcluir