Após alguns meses da aprovação da lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, o governo federal logrou indicar os nomes da Comissão Nacional da Verdade.
O presidente do Núcleo de Preservação da Memória Política do Memorial da Resistência em São Paulo, Ivan Seixas elogiou a escolha dos integrantes, destacando o nome de Rosa Maria Cardoso, que advogou para Dilma Rousseff e para ele, quando foram presos (e torturados) pela ditadura. Deve-se lembrar que os advogados de presos políticos eram poucos, seja pela qualidade que deveriam ter para criar saídas jurídicas apesar da abolição do habeas-corpus, seja pelos constrangimentos que tinham que passar: por vezes, eram também detidos e considerados tão subversivos quanto seus clientes.
Ela, provavelmente, foi uma escolha pessoal de Rousseff.
Paulo Sérgio Pinheiro, com sua teoria e sua experiência nacional e internacional sobre a violência, é um nome muito interessante, bem como Maria Rita Kehl, que já atuava como jornalista na imprensa de esquerda durante a abertura política e abordou a ditadura militar em seu último livro, 18 crônicas e mais algumas. Se Pinheiro foi Secretário de Direitos Humanos na presidência de Fernando Henrique Cardoso, ela apoiou as políticas redistributivas do governo Lula (teve sua coluna no Estado de S.Paulo cancelada por esse motivo), sem ter exercido cargo público algum.
Parece-me que eles representam a cota dos intelectuais na Comissão.
Vi quem criticasse a ausência de historiadores, porém Carlos Fico é muito convincente quando trata da impropriedade epistemológica da participação desses profissionais em uma Comissão da Verdade, que deseja criar uma "narrativa oficial, unívoca", o que não é o papel do historiador, ao menos desde o século XX. Neste vídeo de novembro de 2011, Fico trata dessa questão e explica as funções da Comissão - e elogia o nome de Paulo Sérgio Pinheiro, que já estava sendo cotado.
Na categoria dos juristas, que foi a mais contemplada na esolha presidencial, entrou o procurador-geral da república que atuou durante o governo Lula, Cláudio Fonteles (ele foi importante para a demarcação da Raposa Serra do Sol), um advogado que foi Ministro da Justiça de José Sarney, José Paulo Cavalcanti Filho, elogiado aqui por Alberto Dines a despeito de Sarney. Ele também é um recente biógrafo de Fernando Pessoa - ainda não li o livro. Do governo de Fernando Henrique Cardoso, temos outro ex-Ministro da Justiça, José Carlos Dias.
Esses três nomes denotam que o governo quis escolher membros que estivessem de alguma forma vinculados àquelas presidências, em um equilíbrio de representação política. Os anos Collor e Itamar Franco não foram contemplados, se bem entendi.
Gilson Dipp foi o perito designado pelo governo brasileiro para sustentar, perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Araguaia (Gomes Lund e outros vs. Brasil) que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF n. 153 encerrava o problema da lei de anistia no Brasil e ponto final. Não era verdade, como se sabe. Talvez ele tenha entrado como um nome explicitamente comprometido com a lei de anistia.
O Ministro do STJ fez também declarações estranhas sobre o Judiciário brasileiro, embora o integre: "o Poder Judiciário brasileiro é um dos mais independentes e autônomos do mundo". Sabe-se, no entanto, que um dos problemas desse poder, destacado também na atuação do CNJ, ainda é a da independência dos juízes. A questão continua problemática no Brasil e foi objeto de relatório da ONU, a que referi na minha tese. Pelo menos no campo da expertise, Dipp parece-me que não era exatamente o melhor nome.
Por sinal, quem ouviu Fábio Konder Comparato discursar sobre aquele julgamento do STF não escutou a palavra "independência".
Comparato, nesta matéria publicada pela Revista Piauí, "Conciliação, de novo", de Consuelo Dieguez (a foto de abertura, de Eraldo Peres, é antológica: todos aplaudem a nova lei, exceto os homens brancos fardados), considerou, em antecipação, a Comissão Nacional da Verdade como "na melhor das hipóteses, um erro histórico; na pior, uma impostura".
Tentarei acompanhar se a prática da Comissão confirmará as palavras do grande jurista, ou se ela saberá superar os obstáculos que encontrará. Afinal, o processo político da justiça de transição já começou, mesmo antes da indicação dos nomes (eles já são um fruto desse processo), e não é possível prever em que desaguará.
Uma questão interessante é a da abrangência temporal dos trabalhos da Comissão, de 1946 a 1988, seguindo o artigo oitavo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Esse período, diferentemente do que publicou o Superior Tribunal de Justiça e o blogue do Ministério da Justiça, não abrange o Estado Novo, que durou de 1937 a 1945 (vejam como o trabalho da Comissão será importante também para informar os Poderes políticos). Carlos Fico acertadamente afirma que essa escolha deu-se por acordo político para tirar o foco do período da ditadura militar. Decerto, mas pode também levar ao estudo das iniciativas golpistas do período 1946-1964, em que houve eleições regulares, mas também conspirações e violações aos direitos humanos.
P.S.: O novo biógrafo de Fernando Pessoa ousa terminar um poema inacabado do poeta português e, ainda por cima, colocando Cristo no meio.
Pessoa defendia o Paganismo... Vejam a singular cena a partir de 4'43'' da segunda parte da entrevista indicada nesta ligação.
P.S.2: O sítio do STJ retificou o erro histórico, deixando-o um pouco menos torto; agora, se diz que "O período vai do fim do Estado Novo"; ainda não está muito certo, pois esse regime acabou no ano anterior, 1945.
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Se eu estava achando ruim as escolhas de Dilma na Comissão da Verdade, agora -- com tua análise -- entornou o caldo de vez. Não que eu esperasse grande coisa, mas quanto mais o governo tenta mediar nessas indicações e a presença do Paulo Sérgio Pinheiro e Maria Rita Kehl apontam nesse sentido, mais temerosa eu fico. É, sim, uma comissão de fachada, que servirá para legitimar um processo já comprometido e que não tem compromisso com a busca de verdade alguma. É uma comissão "para inlês (leia-se ONU, OEA e Corte Interamericana de Direitos Humanos) ver".
ResponderExcluirCara Niara,
ResponderExcluiracompanhemos, então; de qualquer forma, existem outras comissões da verdade - em São Paulo, a Assembleia Legislativa criou uma - e pode ser que elas funcionem melhor do que a do governo federal.
A USP, por exemplo, está tentando criar a sua, mas o andamento ainda está emperrado burocraticamente - e o clima político talvez não seja favorável.
O ideal é que também outras organizações criem suas comissões. Seria interessante, por exemplo, que os partidos de hoje, descendente seja das legendas legais, seja das clandestinas à época da ditadura militar (como o PC do B), disponbilizassem seus arquivos para esse trabalho.
Quanto mais houver iniciativas (o que inclui o seu trabalho com o #DesarquivandoBR) e demandas em prol da verdade, mais o trabalho será efetivo, até mesmo o da Comissão do governo federal.
Também acho que o jogo não deve ser entregue agora - e que a Comissão - que tem nomes respeitáveis - será tão mais efetiva quanto for efetiva a pressão de fora. O #DesarquivandoBR tem um papel nisso, sem dúvida nenhuma. Assim como a Comissão Parlamentar da Verdade; assim como as criadas nos Estados (o Rio tá na luta pra criar uma, que por enquanto está sendo embarreirada por um dos filhotes de Bolsonaro). Adiante. Eu, de minha parte, estou achando melhor do que o esperado. Vamos acompanhar e pressionar.
ResponderExcluirCara Renata,
Excluirconcordo; como a política é um espaço de contingência, é possível que venha o bom inesperado (também o oposto...) Se o que Cláudio Guerra, por exemplo, diz é verdadeiro, talvez tenhamos ainda outras surpresas de grande dimensão.
No final das contas, servirá apenas para os governistas jogarem confete na Dilma e o trabalho pesado mesmo (incluindo lutar contra a falta de vontade política de fazer um trabalho decente de resgate da memória) será dos mesmos que sempre se envolveram com essa questão.
ResponderExcluirSó que tudo que a sociedade poderia fazer com relação à memória do período da ditadura já foi ou está sendo feito. Quem tinha que se empenhar (e não é hoje, já está muito atrasado) era o governo, que detém as informações que podem dar conta dos desaparecidos e preencher as lacunas que o trabalho dos grupos e da sociedade não conseguiu por esbarrar em documentação oficial, sigilosa.
São os arquivos secretos da ditadura de posse do Estado que precisam ser abertos. E isso não dependia de uma Comissão da Verdade. Por isso eu digo que é de fachada e por isso temo pelo resultado. Porque não há negociação com fato histórico, não há mediação. E desconfio que é isso que vai acontecer... A direita negociando na CNV para que determinado fato não apareça tão cruel como realmente foi. E aí eu pergunto: Que resgate de memória será esse?
Mas é evidente que estarei acompanhando e bem de perto, e denunciando o que achar errado.
Cara Niara,
Excluira origem da Comissão está exatamente na mediação e na negociação, que não permitiu que uma expressão "polêmica" como repressão política figurasse na lei...
Continuará a Comissão fiel a sua origem? Seu destino será o de mudar um pouquinho o programa do ensino de história nas escolas? Há que ser ver.
Lamento a ausência de um historiador, e discordo de que se buscaria uma linha de compreensão unívoca do período, mas poderia fornecer uma percepção do que é memória que não entendo como os indicados podem ter. Apesar de não duvidar em momento algum da qualificação de muitos deles ou de sua maioria.
ResponderExcluirNão entendo a formação da comissão como algo que passaria por sobre limitações legais, no sentido de ir sob o ponto de vista científico na direção de remontar o regime a partir de uma compreensão de sua estrutura a partir da documentação fornecida, permitindo uma visualização clara do período e do papel do estado nele.
A meu ver parece que a comissão deitará sobre os aspectos legais da comissão e sobre a percepção da documentação dentro dos limites da anistia enão no da revelação para a construção de uma memória sobre o periodo que teria efeitos sobre a memória política.
De resto vou na linha da Niara, Carlos Fico que me perdoe, mas uma comissão só de juristas muito me dá a suspeita que não sairá de um movimento de acomodação.
Caro Gilson Junior,
ExcluirCarlos Fico apenas acha que não é papel dos historiadores estar na Comissão. Mas ele não defendeu que ela fosse quase monopolizada por juristas... Pelo contrário, no vídeo - sugiro que o reveja - ele defende que os membros tenham origem variada, como foi na Argentina.
No caso do Brasil, temos justamente o contrário: a origem é oficial para quase todos (exceto as duas mulheres) e quase todos têm a formação jurídica, o que gera o risco de combinar oficialismo com legalismo, mistura indigesta para os direitos humanos.
Acho sempre que as iniciativas de esclarecimentos, ainda que partejadas com dificuldade, e talvez por isso mesmo, são válidas. São exercícios de democracia, afinal. Esta comissão foi muito mal quista nos meios militares. Não queriam de jeito nenhum. Os intelectuais pouco se mobilizaram por ela, a não ser os ligados às vítimas. Não temos aqui um forte movimento popular como na Argentina ou Chile por esse resgate. O povão brasileiro mal sabe que houve uma ditadura, com todo respeito. Quanto à historiografia, ou o papel de historiadores no seio dela, penso que realmente fará falta metodológica. Ninguém melhor que esses para elaborar criticamente a colcha de retalhos que ali se tecerá, com fatos sendo revelados em grande quantidade, talvez, documentos sendo expostos etc etc. Todavia, penso que nada impede que se historie a própria comissão e se utilize o material que nela for arrecadado para a construção e reconstrução da história do período. É isso, por enquanto, como disse alguém. Adriana Rocha
ResponderExcluirPrezada Adriana Rocha,
Excluiresse desconhecimento de setores da população brasileira sobre a história (penso em turmas para que lecionei que achavam que um tal de "Dom Pedro" havia "proclamado a república") é, realmente, mais um exemplo da necessidade da Comissão: o que ela vier a revelar pode não só diminuir essa ignorância como fortalecer o movimento popular pela verdade.
Certamente historiadores serão chamados pela Comissão para prestar assessoria e esclarecimentos.
Estou vendo o video agora. Mas gostaria de reforçar uma convicção que você, Pádua, expressou com precisão: a política é um espaço de contingência. A história não está escrita, e o caminho não está traçado por quem escolheu os membros da Comissão. Embora concorde com a Niara que fundamental seria a abertura dos arquivos da ditadura, não acho que a montagem da Comissão seja fato a se desprezar. Demorou, e a gente estava reclamando que não vinha, não era? Pois então. Está aí. E a avaliação, nesse estágio, que faço, é essa: a Comissão, dentro do momento político que vivemos - tanto internacionalmente como internamente -, é melhor do que poderia ser. É a melhor? Provavelmente não. É a que temos. Serão sete pessoas, mais 14 assessores (diz o Carlos Fico) - e aí haverá espaço para historiadores, suponho. Poderia ter sido considerado algum nome dos que foram sugeridos pelos grupos de preservação da memória? Claro que sim, e acho que no nosso grupo de tuíter eu fui a primeira a circular as sugestões, nenhuma delas atendida.
ResponderExcluirMas nada disso, a meu ver, impede de esperar uma atuação que nos faça avançar. Esperar, mas não sentados: esperar gritando, divulgando, fazendo barulho. Como está sendo feito, como ainda será feito. Não deixar o tema parado, fazer com que ele seja pauta necessária de jornais, de TVs. Trabalhar nos interstícios dos meios de comunicação, das formas que sempre dá. Manter os organismos internacionais interessados na nossa história e cobrando da Comissão.
Não há nada estranho em os membros da Comissão dizerem que não punirão; ora, se esse foi um dos termos do acordo feito.
Eu por mim acho que o relato dos crimes não será apenas o relato dos crimes. Como diz o Carlos Fico (tô ouvindo): "o levantamento das informações que a Comissão possa fazer pode chocar a sociedade brasileira." Acabar com o famigerado mito da ditabranda. Isso, em si, já seria um ganho de peso.
De fato, Renata, as Comissões da Verdade não são feitas para punir, e acho muito estranho que alguém critique a Comissão brasileira por isso. Nem na Argentina foi assim, como se pode ver na literatura sobre justiça de transição. Elas apuram, e o trabalho de julgar fica com o Judiciário.
ExcluirO problema, na comparação com a Argentina Pádua, é que lá tanto judiciário quanto governo não tinha essa tendência à impunidade que tem o judiciário e governos brasileiros. É aí que reside, na minha opinião, todo o problema. Não à toa eu ouço o senhor Gilson Dipp essa semana em entrevista falar de novo em "revanchismo". O senso comum e a imprensa se valerem desse conceito para distorcer a intenção dos grupos pró memória, contra tortura e de familiares dos desaparecidos é até normal e de certa forma esperado, mas um jurista dizer uma besteira dessas já define para mim o "espírito" dessa CNV.
ResponderExcluirÉ claro que vou lutar, pressionar, cobrar e denunciar e estar atenta aos trabalhos da comissão, mas sem muita expectativas. Até porque, pela lei dos arquivos públicos -- não por acaso sancionada junto com a lei da CNV --, quando a comissão estiver encerrando seus trabalhos recém estarão disponíveis os arquivos do ano de 1964. O texto da lei dos arquivos é claro, prazo máximo de 25 anos renováveis apenas uma vez de igual período. Bueno, 50 anos. Isso significa que os arquivos de 1971 só estarão disponíveis em 2021 e eu duvido que uma comissão com tantos juristas vá afrontar ou propor desrespeitar essa lei. Também não à toa a emenda da Erundina que deixava claro no texto da lei da CNV que ela teria poderes para abrir arquivos ainda não disponíveis foi rejeitada. Disseram na época que "isso estava subentendido". Uma comissão que não tem nem independência orçamentária? Na prática o trabalho da CNV chegará no máximo aos arquivos que tratavam do pré-golpe de 64 e, por isso na minha opinião, incluir um período anterior, ou eles não teriam o que fazer.
Então, repito, com arquivos fechados (os que interessam de fato porque são os ainda desconhecidos) e sem rever a Lei da Anistia, acho que essa Comissão da Verdade fará nada além de "oficializar" o trabalho que foi feito durante 40 anos pelos grupos pró-memória e contra tortura no Brasil, só que negociando como isso será usado. E tudo que já se tem de acúmulo de resgate da memória não foi até agora suficiente para chocar a sociedade e nem mobilizá-la.
Desculpem-me, mas sabendo de tudo isso não dá para fazer o jogo do contente com a nomeação dessa CNV.
E a imprensa ainda diz que Dilma convidou os ex-presidentes Sarney, Collor, FHC e Lula para a posse da CNV semana que vem como forma de "blindar democraticamente" essa posse. Oi? Os caras fazem um jogo de cena como se a caserna estivesse ameaçada e/ou ameaçando a "democracia". Fala sério, né? Os militares estão tão ameaçados que um chama a Dilma de mentirosa na tevê, alguns comemoram o golpe de 64 mesmo com a ordem expressa dela de não comemorarem (se é que ela deu mesmo essa ordem) e vários torturadores saem das sombras para relatar seus crimes com detalhes sórdidos...
É diferente ter uma comissão da verdade sabendo que o judiciário cumprirá o seu papel com as informações obtidas e expostas, como foi e está sendo na Argentina. Outra coisa é não ter nem mesmo o Estado como colaborador e sabendo que o judiciário é o maior entrave para a dita Justiça de Transição.
E falando em Argentina... O fato do Jorge Videla não ter revelado tudo o que sabia não impediu que ele fosse julgado e condenado à prisão perpétua. Alguém aí consegue imaginar algo parecido no Brasil?
Cara Niara,
Excluircom Menem, a Argentina caiu na impunidade, pois ele anistiou os militares. Foi necessário o regime dele naufragar, afundando também o país, para que os argentinos fizessem outra opção política que trouxe efeitos também para questão da justiça de transição.
Os magistrados da Suprema Corte escolhidos a partir de Néstor Kirchner também fizeram toda a diferença. Lá não há um Eros Grau (já aposentado, relator da ADPF da lei de anistia, e escolhido por Lula) nem um Gilmar Mendes (escolha de FHC).
Permita-me fazer algumas considerações:
ResponderExcluir- A Comissão Nacional da Verdade nasceu sob uma forte pressão internacional. Vários setores dentro do próprio governo reconhecem e já houve várias manifestações a respeito;
- Ela remonta o acordão que selou a “conciliação nacional” à época da Ditadura, o que foi mantido por Lula e repaginado por Dilma. Ou seja, sem revanchismo, o que significa “não queremos ninguém na cadeia”, “vamos manter a anistia”, “vamos reconciliar”;
- No dia da sanção da lei, Vera Paiva foi impedida de manifestar-se representando as associações de familiares e vítimas da Ditadura. “O discurso que não foi lido”, lembram? Silêncio;
- Há um pacto com os comandos militares para que esse acordo permaneça. Eles são intocáveis, sem importar os crimes que cometeram. Continuam a comemorar o “golpe”, a sorrir na nossa cara, sem remorsos. Da mesma forma, os financiadores e ideólogos de todas as barbaridades cometidas nos Anos de Chumbo;
- No texto da lei que criou a Comissão da Verdade, sequer consta a expressão “Ditadura Militar”. Sintomático. Ela recebeu emendas do DEM, PSDB e PPS, no entanto, todas as alterações propostas pelos movimentos sociais, entidades dos Direitos Humanos, comitês pela Memória, Verdade e Justiça foram sumariamente rejeitadas, sem apelação;
- A Lei da Comissão Nacional da Verdade tem limitações brutais. São apenas sete integrantes e 14 auxiliares, para investigar 42 anos em dois anos, sem autonomia e sujeita ao sigilo;
- A lei também não aponta para a possibilidade de remeter suas conclusões à Justiça, para que os criminosos da Ditadura sejam devidamente julgados e processados;
- Só para lembrar, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar o caso da Guerrilha do Araguaia, decretou que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos” e que “são inadmissíveis as disposições de anistias, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como tortura, as execuções sumárias, extrajudiciárias ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados”;
Por essas e outras considerações, que continuo cética em relação à possibilidade de avanços. O que não me faz cruzar os braços, obviamente.
Também não se trata de torcer contra a Comissão da Verdade, pelo contrário, quero investigações a fundo, sem sigilo, com transparência. E JUSTIÇA!
Creio que a instalação de comissões da verdade em vários estados e na Câmara Federal, será fundamental nesse processo.
Vale ressaltar que o assunto tem pautado a mídia. Tem conseguido inserção no ambiente virtual, onde podemos dialogar, formar grupos de discussão, mobilizar, potencializar as ações, compartilhar experiências. Não dá para o outro lado jogar sozinho na rede. É um pequeno passo que conquistamos.
Agora, o assunto não chegou lá na ponta, na casa da dona Maria, que mora na periferia de Belém, por exemplo. Porque é difícil, porque talvez interesse apenas a quem tenha um envolvimento direto ou indireto na questão, talvez porque ainda somos poucos, e não tivemos pernas para tanto. Talvez não seja um assunto para as “massas”, porque não conseguimos contextualizá-lo no guarda-chuva dos Direitos Humanos. Enfim, precisamos da adesão popular para avançar.
Ainda que ache que a configuração e a composição da Comissão da Verdade apontem mesmo para a “reconciliação nacional”, creio que conquistamos espaços importantes para manter a luta viva. Adelante.
Cara Silvia,
ExcluirLula foi o mestre da conciliação (e não sabemos o quanto ele influiu na escolha dos membros, o que certamente ocorreu apesar da séria doença que enfrentou), seria muito improvável que Dilma Rousseff fosse imprimir outro caráter para a Comissão.
Também acho que é um passo. O quanto irá para a frente... Não sei. O caso é que a simples apuração da verdade (tarefa nada simples, por sinal, e que enfrentará diversos obstáculos e resistências vindas não só dos Executivos federal e estaduais, mas também da imprensa, do grande capital e do Judiciário) não basta para o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos.