O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

domingo, 28 de outubro de 2012

Desarquivando o Brasil XLI: EBC, Operação Condor e João Goulart


A EBC fez uma série de quatro reportagens sobre a Operação Condor, disponível nesta ligação:
http://www.ebc.com.br/cidadania/operacao-condor/2012/10/assista-as-quatro-reportagens-da-serie-operacao-condor
Há bastante o que ver: Jair Krishke falou do papel de Pio Correia na criação clandestina do Centro de Informações para o Exterior no Ministério das Relações Exteriores; abordaram-se-se a atuação da polícia argentina, ao lado da brasileira, a pedido do consulado desse país em São Paulo, para prender e aprisionar argentinos no Brasil, bem como o acontecimento oposto: a prisão de brasileiros na Argentina por Sérgio Fleury, no âmbito da cooperação entre os aparelhos de repressão. Pode-se assistir a depoimento da uruguaia Lílian Celiberti, presa ilegalmente com a família no Brasil, o que foi denunciado, na época, pelos jornalistas João Baptista Scalco e Luiz Cláudio Cunha. Este último, autor do livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios, também fala para a EBC.
Vários casos de desaparecidos foram destacados na série (especialmente João Batista Rita), que tratou também da espionagem sofrida por João Goulart no exterior, trazendo novo depoimento do ex-agente uruguaio, Mario Neira Barreiro, que reiterou declarações de que o ex-presidente foi assassinado.
Convidaram-me para contribuir com o debate, e tentei fazê-lo. Participei desta vídeo-conferência com ninguém menos do que o advogado Christopher Goulart, neto do presidente brasileiro deposto pelo golpe de 1964. A jornalista Ana Graziela Oliveira fez a mediação.

http://www.ebc.com.br/cidadania/2012/10/especialista-debate-operacao-condor-e-comissao-da-verdade-no-portal-da-ebc
Christopher Goulart, durante as respostas, expõs a visão de que seu avô "era um líder que buscava as reformas estruturais para o país que até hoje ainda não foram consolidadas como: na área fiscal, tributária, urbana", como já havia dito no depoimento que deu à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 2008. Ele falou para a subcomissão que investigou a morte de Jango, respresentando o Instituto João Goulart:
http://www.al.rs.gov.br/download/SubJango/RF%20Sub_morte_Jango.pdf
Eu não sabia que ele foi o anistiado mais jovem no Brasil.
Quanto a mim, separei alguns documentos, entre eles este, presente no Portal Memórias Reveladas (http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home), o Conceito Estratégico Nacional, elaborado em 1969, no fim do governo de Costa e Silva.




Uma das hipóteses de guerra aventadas (a "Alfa") correspondia à "guerra revolucionária na América Latina', que poderia ocorrer em outros países e contar com a participação do Brasil, tendo em vista "os compromissos assumidos no âmbito da OEA".
A referência à OEA vem antes do alinhamento político aos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria, do que de um compromisso com essa organização internacional. Na verdade, o isolacionismo, no campo da política externa, não deixa de se revelar também aqui. Na parte 5 do documento, "Premissa da segurança interna", lemos que "Na conduta da Política de Segurança Nacional a Nação não abrirá mão dos imperativos categóricos de sua soberania nacional, não submeterá a organismos regionais ou internacionais questões internas que afetam sua segurança."





Era de esperar, pois, que os militares brasileiros não fossem assinar a ata de criação da Operação Condor em 1975.
No entanto, reconhecia-se a necessidade de cooperação, tendo em vista o perfil internacional do inimigo comunista. Contra a "Pressão Comunista Internacional", o poder nacional, isoladamente, não seria capaz de alcançar seus objetivos:



Mais adiante, lemos que "É necessário reconhecer-se que, no mundo atual, a Segurança Nacional não pode ser alcançada com bases exclusivamente internas."
A possibilidade da internacionalização da repressão, portanto, já estava dada nas bases da doutrina de segurança nacional, tal como era concebida no Brasil pelos poderes militares. É de notar também que essa internacionalização ocorreu ao arrepio das normas internacionais vigentes na OEA. A Operação Condor teria que ser clandestina, tendo em vista sua ilicitude perante o direito internacional geral e americano. É certo que o direito constitucional vigente no Brasil também era violado.
Diferentemente de Carlos Lacerda e Juscelino Kubitscheck, os outros nomes da "Frente Ampla", proibida pela ditadura em 1968 (curiosamente morreram os três em um espaço de menos de um ano entre 1976 e 1977, o que deve merecer investigação da Comissão Nacional da Verdade), João Goulart morreu no exílio.


Sua morte recebeu muita atenção dos órgãos de repressão política. Neste relatório do DOPS/SP,  guardado no acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo (http://www.arquivoestado.sp.gov.br/index.php), o agente que estava na missa de sétimo dia rezada em São Paulo, na Catedral da Sé, por Dom Evaristo Arns, anotou que Therezinha Zerbini, pioneira do movimento pela anistia, "já é tempo de políticos nacionais deixarem de morrer no exterior" e pronunciou-se pela ampla anistia aos presos políticos.
Ela somente ocorreria, em 1979, tarde demais para aqueles nomes da Frente Ampla.

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