Naquela ocasião, o cacique Nísio Gomes havia sido assassinado.
Há poucos dias, Eliana Brum, para a Época, escreveu longa e essencial matéria sobre a questão, ainda mais premente com a decisão de os índios Guarani Kaiowá em Iguatemi (MS) morrerem em suas terras, caso a ordem da Justiça Federal de expulsá-los seja cumprida: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/10/decretem-nossa-extincao-e-nos-enterrem-aqui.html
Já assinei uma petição contra o genocídio dirigida para a presidência da república; sugiro que se faça o mesmo: http://www.avaaz.org/po/petition/Salvemos_os_indios_GuaraniKaiowa_URGENTE/ Há uma iniciativa semelhante no Facebook: http://www.facebook.com/pages/Vamos-impedir-o-suic%C3%ADdio-coletivo-dos-%C3%ADndios-Guarani-kaiowa/429391533790139 Ademais, estão sendo marcados protestos, como no Rio de Janeiro (https://www.facebook.com/events/471207732901865/), Brasília (https://www.facebook.com/events/124459604371995/) e em Porto Alegre (https://twitter.com/dansesurlamerde/status/260920085110214657/photo/1).
Aconselho também que se vejam os vídeos desse povo, inclusive o emocionante "Salve Dilma! Aqueles que irão morrer te saúdam":
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/guarani-kaiowa/2300
E, mencionando a presidenta, lembro que já escrevi sobre a VAR-Palmares, a Vanguarda Armada Revolucionária Zumbi dos Palmares, de que ela participou. Como se sabe, foi um dos grupos da esquerda clandestina armada que surgiu durante a ditadura militar no fim dos anos 1960, e foi destruído no início da década seguinte.
Além das ações armadas (entre elas, o roubo - chamava-se desapropriação - do cofre da amante de Ademar de Barros, em que o honesto político depositou o fruto de anos dedicados ao interesse público), o grupo elaborou textos em que tentava interpretar o Brasil e propor saídas para o país por meio de via revolucionária.
A vocação da esquerda da época para o fracionamento revelava-se nesses momentos: havia ou houve feudalismo no país? A guerrilha deveria ser urbana ou rural? Guevara ou Mao? Questões como essas a dividiam. Algo, no entanto, havia de comum a pelos menos grande parte desses grupos, e também à direita no poder. Era o que é chamado por Carlos Alberto Ricardo de "amnésia periódica sobre a presença dos índios no Brasil": http://opalcoeomundo.blogspot.com.br/2012/04/desarquivando-o-brasil-xxxv-emancipacao.html#more
Essa amnésia estava presente também naquele grupo de esquerda, bem como nos outros cujos textos conheço. Neste "Informe da reunião da direção", apreendido em 1972 no Rio de Janeiro (encontrei o documento, porém, no Arquivo Público do Estado de São Paulo), pode-se ler esta passagem típica:
Existe o campo, mas não a floresta. "A relação cidade-campo dentro da estratégia de guerra revolucionária ainda não foi bem definida, volta e meia se torna a esse ponto, e as discussões se embananam."
Segundo documentos congêneres, considerava-se que o outro, em relação à cidade, era apenas o campo. No entanto, havia outros, que não eram percebidos, em relação a esse binômio cidade-campo, como a floresta. No fundo, cidade e campo eram apenas diferentes espaços, economicamente especializados, da mesma cadeia produtiva. O que não podia ser visto nessa cadeia, e era um outro mais radical, simplesmente era ignorado, mesmo pelos revolucionários. Tal era o défice antropológico do entendimento que essa esquerda tinha do Brasil.
Ainda hoje podem-se verificar fenômenos semelhantes? Sydney Possuelo, sertanista demitido pela FUNAI durante o governo Lula, pôde afirmar recentemente sobre a ignorância destas pessoas sobre os índios: "conheci todos os líderes da esquerda brasileira. Só entendem de operário e camponês.":
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/514515-conheci-todos-os-lideres-da-esquerda-brasileira-so-entendem-de-operario-e-campones-nao-sabem-nada-de-indio
O problema, de fato, verifica-se também no Partido dos Trabalhadores, que teve, muito claramente, origem na esquerda. Sua política para a Amazônia merece diversas críticas dos ambientalistas e dos antropólogos - e também dos juristas. Cito aqui recente entrevista que Eduardo Viveiros de Castro concedeu a Júlia Magalhães em Outras palavras:
http://www.outraspalavras.net/2012/09/20/outros-valores-alem-do-frenesi-de-consumo/
O PT vê a Amazônia brasileira como um lugar a se civilizar, a se domesticar, a se rentabilizar, a se capitalizar. Esse é o velho bandeirantismo que tomou conta de vez do projeto nacional, em uma continuidade lamentável entre as geopolítica da ditadura e a do governo atual. Mudaram as condições políticas formais, mas a imagem do que é uma civilização brasileira, do que é uma vida que valha a pena ser vivida, do que é uma sociedade que esteja em sintonia consigo mesma, é muito, muito parecida. Estamos vendo hoje, numa ironia bem dialética, o governo comandado por uma pessoa perseguida e torturada pela ditadura realizando um projeto de sociedade encampado e implementado por essa mesma ditadura: destruição da Amazônia, mecanização, transgenização e agrotoxificação da “lavoura”, migração induzida para as cidades.
E ele chamou atenção para uma entrevista de Carlos Nelson Coutinho, que é um dos marxistas que sabia da importância da questão ecológica para o socialismo, não pensada por Marx, que acreditava "num crescimento permanente das forças produtivas"; e que se deve hoje "rediscutir a questão do consumo":
http://globotv.globo.com/globo-news/milenio/v/entrevista-com-o-filosofo-e-cientista-politico-carlos-nelson-coutinho/996706/
Como exemplo da esquerda na academia (e na imprensa, pois o professor em questão é colunista da Folha de S.Paulo), pode-se mencionar Vladimir Safatle, autor de A esquerda que não teme dizer o seu nome, que recebeu resenhas pouco éticas no próprio jornal em que escreve, segundo a ombudsman.
De outro nível foi a resenha de Idelber Avelar: elogiosa e perspicaz para o problema de que "a esquerda paulista precisa visitar o Xingu":
Na verdade, Safatle só explicita o que vários pensadores de esquerda não têm tido como assumir nas últimas décadas: a recusa (ou incapacidade, formule-se como se queira) a pensar as diferenças étnicas, sexuais, de gênero e de orientação sexual como parte constitutiva de uma política de esquerda.Aqui: http://revistaforum.com.br/idelberavelar/2012/10/09/resenha-de-a-esquerda-que-nao-teme-dizer-seu-nome-de-vladimir-safatle/
Olá:
ResponderExcluirCuriosa esta dificuldade em enxergar a alteridade que tem a esquerda. E , ao mesmo tempo curioso que o próprio crítico/resenhista se traia ao sugerir uma visita ao Xingú, como se esse fosse "o lugar" do índio real, uma espécie de ícone do índio (do bom-selvagem?)
Na minha infância, índio era o logotipo da TV Tupi,ou de filme americano - que orientava o visual das fantasias de carnaval, ou era um índio pobrinho,acaboclado e,de preferência morto...
Graças ao trabalho também de "relações públicas" dos Vilas-Boas, o "índio" passou a ser associado ao do Xingu (onde convivem várias etnias), ou eventualmente ao Xavante (Salve Mario Juruna).
Mas no Brasil existem mais de 200 etnias, falando mais de 180 línguas,em situações de contato diversas. Que índio é este, que se insiste em ver ainda como um único?
Cybelle
Concordo, Cybelle. Sobre, por exemplo, a situação de algumas tribos no Estado em São Paulo, costumo acompanhar o trabalho desta ONG, a Mongue: http://www.mongue.org.br/blongue/
ResponderExcluirAbraços,
Pádua
A esquerda brasileira precisa visitar e se dar conta de que existe um Brasil que ela não conhece: no Centro-Oeste, no Nordeste, no Sul, Sudeste, sem falar no Norte, lugar por excelência onde deve haver alguns índios "ainda", segundo o imaginário coletivo brasileiro. Como Marx não pensou as populações tradicionais de nenhum Estado Nacional, a não ser para associá-las ao "primitivismo" pré-feudalista (sendo o feudalismo um fenômeno eminentemente europeu...), essa esquerda tem a MAIOR dificuldade em tirar os indígenas dos livros de história, onde ela acredita que eles deveriam se situar. De qualquer forma, o Xingu é ícone, de fácil assimilação, com o perdão da palavra. Que vá ao Xingu, ao menos, pois! Adriana
ResponderExcluirMestre Pádua, não sou exatamente o que se chama de marxista (ou marxiano, se preferir), no entanto, não creio que a questão ecológica não foi pensada em Marx. Não existe oposição entre homem e natureza em Marx -- algo como a Natureza (ontos) e Sociedade (deontos) de Kelsen, coisa que, via de regra, se repete de alguma forma nos demais analíticos. O que há é uma resolução ontológica unitária. Isso já está mesmo no Marx dos "Manuscritos Econômicos e Filosóficos" de 1844, consta do Livro I do Capital e, também, da Crítica ao Programa de Gotha. O capitalismo exaure a natureza, até porque a própria força de trabalho não deixa de ser “antes de tudo matéria natural transformada em organismo humano” -- além da própria destruição da natureza e, também, o próprio ganho sobre a escassez. Não há homem e natureza ou homem contra a natureza, mas sim que o homem é natureza. Mas a preservação dessa natureza, que não é uma natureza-natural, não se dá pela santuarização de um bosque ou um rio, mas da constituição de formas de produzir sustentáveis -- coisa que o produtivismo capitalismo não era e nem é capaz -- capazes de coexistir. A tradição do socialismo, o que é outra coisa, não deixa de ter, sobretudo entre os russos, um gosto pelo positivismo. Mas aí é outra coisa.
ResponderExcluirEu, mestre? Sou mero professor... A questão é interessantíssima. Engraçado você ter escrito sobre isso agora, pois eu tinha recentemente discutido (com um cientista político) se os "sustentáveis" poderiam realmente ser sustentados em Marx. De qualquer forma, como ela se põe agora, a questão ecológica não poderia ter sido pensada por ele.
ResponderExcluirO fato de o socialismo real ter reproduzido, nesse aspecto, o produtivismo capitalista é, no entanto, uma outra questão.
Abraços,
Pádua