Na minha segunda conferência na EHESS (referi-me à primeira aqui: http://opalcoeomundo.blogspot.fr/2013/01/desarquivando-o-brasil-xlviii.html), sobre a doutrina de segurança nacional e o cidadão inimigo, o que mais causou surpresa foram as fontes francesas da doutrina.
Poucos anos antes do golpe de 1964, no curso Introdução ao estudo da guerra revolucionária, ministrado em 1959 na Escola Superior de Guerra pelo então coronel Augusto Fragoso, lemos:
A bibliografia francesa sobre a GR [guerra revolucionária] é, pode-se dizer, a única existente. A bibliografia de origem norte-americana não deu até agora ao assunto a importância merecida [p. 5]Ademais, apontava-se, com base no pensamento francês, a expansão próxima da guerra revolucionária para a América Latina. É curioso ler esse curso sabendo que ocorria a Revolução Cubana:
A América Latina, provavelmente em futuro próximo, será teatro de guerras revolucionárias. Um ensaísta francês - Charles Montirian -, em livro de 1958, "La Paix Revolutionnaire - Riposte a la Subversion" -, [mantenho os erros do original] ao analisar a evolução que têm seguido as guerras revolucionárias nos seus pontos de impacto, divide-a em 4 períodos:O curso pode ser lido na internet por meio do Arquivo Ana Lagôa (http://www.arqanalagoa.ufscar.br/).
.....
- 4o. Período (a ser aberto em caso de sucesso das guerras na Ásia e na África) abrangendo provavelmente a América Latina e os arquipélagos do Pacífico.
Há outros documentos. João Roberto Martins Filho escreveu sobre a questão em "A influência doutrinária francesa sobre os militares brasileiros nos anos de 1960":
Os contatos não foram apenas teóricos. Um exemplo: Aluízio Palmar publicou em Documentos Revelados (http://documentosrevelados.com.br) correspondência da embaixada francesa atestando a presença de um criminoso de guerra francês, o general Paul Aussaresses, no Brasil como adido militar. Já se sabia disso, o próprio torturador o revelou. Por sinal, ele perdeu a Légion d'Honneur por conta das revelações que fez, entre elas o tráfico de ópio para financiamento da guerra colonialista francesa contra o Vietnam.
Com sua experiência nas guerras colonialistas francesas, ensinou técnicas de tortura na Escola das Américas e também em Manaus: http://www.rue89.com/2008/04/29/tortionnaire-non-repenti-le-general-aussaresses-se-souvient
O professor Bessa Freire traduz para o português alguns trechos do último livro do general;
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-general-frances-que-foi-professor-de-tortura-na-amazonia
Pelo interesse sentimental, destaco a delicadeza do general Figueiredo, então chefe do SNI e futuro presidente da república, em chamar Aussaresses para o porão de um prédio em Brasília onde era torturada (e foi morta) uma mulher com quem o general francês havia tido um relacionamento, e que seria uma espiã.
Os brutos também amam, porém o melhor é não corresponder.
O general, que também foi amigo de Sérgio Fleury, afirma que Figueiredo comandava os esquadrões da morte, "bien sûr": http://tipaza.typepad.fr/mon_weblog/2008/05/aussaresses-au.html
A propósito: Daniel Aarão Reis, em depoimento que pode ser lido em Le Brésil des gouvernements militaires et l'exil 1964-1985 (Paris: L'Harmattan, 2008), organizado por Idelette Muzart-Fonseca dos Santos e Denis Rolland, afirma que a polícia francesa tinha todo seu dossiê brasileiro quando chegou para o exílio em 1974, e que se deveriam investigar as relações entre a polícia francesa e a brasileira.
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