Em nota anterior deste blogue, escrevi algo sobre a campanha contra o matrimônio igualitário na França. Agora, anoto sobre o que vi na manifestação do dia 27 de janeiro em favor do projeto de "mariage pour tous" (casamento para todos). No dia 29, a Assembleia Nacional francesa começa a examinar o projeto.
A manifestação partiria do metrô de Denfert-Rochereau. No caminho para o evento, planejava fazer conexão na estação Place d'Italie. No entanto, ela estava repleta de gente, e segui outros que deixaram o metrô e foram a pé.
Fomos subindo o Boulevard Auguste Blanqui. Na foto, um dos militantes do Partido Socialista francês, que está no poder e apóia o projeto.
No entanto, os manifestantes vinham também, de outros partidos e movimentos, e pude fotografar um cartaz "Casamento sim, Hollande não".
Não me pareceu, pois, que se tratasse de um evento que se circunscrevesse aos governistas. E havia movimentos à esquerda do governo, naturalmente, como o das feministas e lésbicas, cuja faixa fotografei, contra o fascismo, o neoliberalismo e a ordem moral.
Da mesma forma, não se limitou a movimentos LBGT, e nem deveria, sendo uma causa de direitos humanos. Algumas das fotos são de pessoas que se apresentavam como heterossexuais solidários: "Hétéro-solidaire", ou o "Pai de família, católico praticante, heterossexual, sim ao casamento para todos os adultos livres e consentidores".
Da Boulevard Blanqui, pegamos a Boulevard Drago e chegamos ao metrô Denfert-Rochereau. Somente nesse momento percebi que havia muita gente. Fui para a avenida Denfert-Rochereau, a multidão era maior ainda, impressionante. Dessa avenida, passou-se para o Boulevard Saint-Michel, até a esquina com o Boulevard Saint-Germain, que foi percorrido até o fim para tomar o caminho para a Praça da Bastilha.
Uma das faixas que reproduzo aqui, "Homos + Hétéro = Égaux", foi um dos slogans entoados pela multidão. Outro foi "Éga, Éga, Égalité".
O movimento basco LBGT foi prestar solidariedade, bem como os belgas, que já têm o "mariage pour tous". Por sinal, fotografei uma tabela com a lista, cronologicamente ordenada, dos países que o adotaram: a Holanda a encabeça:
Holanda 2001Bélgica 2003Espanha 2005Canadá 2005África do Sul 2006Suécia 2009Noruega 2009Argentina 2010Portugal 2010Islândia 2010
A tabela somente inclui Estados nacionais; os Estados federados dos EUA que já aprovaram o fim do privilégio heterosexual para o casamento não foram incluídos.
No fim, espera-se a França em 2013.
Sobre os transgêneros, não vi praticamente nada, exceto a placa que fotografei já na Praça da Bastilha. Vê-se que a discriminação continua forte, uma vez que, mesmo neste evento, a questão não tinha visibilidade.
Notei apenas um momento que poderia ter gerado tensão: no Boulevard Saint-Germain, três jovens neonazistas seguravam uma faixa que não consegui ler inteiramente, pois um deles apontou para algo e saíram correndo em seguida.
Em geral, predominou o bom humor, como o argumento imbatível em tempos de crise econômica, de que o casamento para todos incentivará o comércio de vestidos para a cerimônia, e o trocadilho, de que a língua francesa é tão rica (creio que algumas teorias filosóficas e psicanalíticas nasceram dessa particularidade), de que "mais vale um par de mães do que um pai de merda". Estava presente também o orgulho "de estar do lado bom da história".
Alguns dos cartazes, um deles reproduzi aqui, expressavam descontentamento com o PACS, o contrato de união civil. Por isso, escolhi para fechar esta nota uma das últimas fotos que tirei, das manifestantes com o lema "All you need is love/ All you need is law", um Beatles revisitado.
Descontada a licença poética, o direito também é necessário. Além disso, eeixando de lado as arengas direitistas (venham de pessoas declaradamente de direita ou não) de que o direito é "por essência" conservador, devemos constatar que o caráter emancipatório ou não do direito não é dado por essência alguma do jurídico, e sim pelos usos e práticas que dele se fazem. Trata-se de uma questão de imaginação jurídica, seja na criação, seja na interpretação e na aplicação da norma de direito.
Por sinal, quando se fala em "essência do direito", normalmente se o faz para ocultar os agentes sociais que estão por trás das normas jurídicas, nessas complexas instâncias, que se relacionam entre si, de criação, interpretação e aplicação. São os conservadores que não ousam dizer seu nome que se escondem por meio dessas soi-disant essências e tentam decretar a impossibilidade de imaginar instrumentos emancipatórios por meio do direito.
Neste caso, os atores sociais interessados na igualdade foram às ruas mostrar seu compromisso com a causa, representando com muito mais fidelidade o ideal da propaganda da França como país dos direitos humanos, do que os manifestantes do dia 13 de janeiro.
O Libération já publicou sobre a passeata: http://www.liberation.fr/societe/2013/01/27/en-direct-mariage-gay-la-manif-s-apprete-a-debuter_877088 e http://www.liberation.fr/societe/2013/01/25/mariage-pour-tous-ca-va-marcher_876924
Acabo de descobrir este blog, por culpa do Idelber - excelente, absurdo não tê-lo descoberto antes. Mês que vem passarei por Paris, a ver se dou sorte de pegar alguma manif. Saudações
ResponderExcluirPrezado, agradeço. Talvez (mas estou sendo otimista) você assista em Paris às comemorações pela aprovação, ao menos parcial, da lei.
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