O Rio de Janeiro, cidade ocupada com suas próprias forças de segurança por entidades estrangeiras (um caso de servidão voluntária no máximo grau, apesar da resistência dos manifestantes), submetida, como outras cidades do país, aos direitos territoriais da FIFA, verá em seu espaço algo como a invasão pelo Vaticano, suspendendo princípios constitucionais do Estado brasileiro.
Um Estado que perdeu a soberania, de fato, vê sua Constituição ir para o espaço.
No caso, a rendição parte dos poderes legislativo e executivo, com os investimentos no evento religioso e a "conversão" desses dias em feriados. Houvera juízes no Rio de Janeiro, talvez isso fosse impedido.
Amigos que moram no Rio de Janeiro contaram um detalhe humilhante: este prodígio da engenharia mundial, o metrô do Rio de Janeiro, único em formato de lombriga, resolveu criar o que muito apropriadamente foi chamado de cartão peregrino. Para viajar entre as 12 horas e as 5 h do dia seguinte, nos dias 25 e 26, somente esse cartão será aceito. O cidadão que quiser viajar pelo metrô, apesar das várias estações fechadas, sofrerá o constrangimento de comprar um rótulo de peregrino católico, em mais um exemplo de escandalosa promoção de uma religião com dinheiro público, e ainda obrigando quem quer apenas se locomover a comprar algo como uma "indulgência" de transporte.
O Metrô não esconde que o objetivo é "propiciar um deslocamento mais eficiente e tranquilo para os fieis" (http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=1657697).
Trata-se de responsabilidade do governo do Estado. O próprio fechamento das estações, com todo o prejuízo que isso acarreta à população, em benefício de evento religioso, já era o suficiente para caracterizar mais este acinte à constituição de 1988:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:A constituição do Estado simplesmente repete o preceito no artigo 71 e seu inciso I. Ademais, ao obrigar o cidadão que deseja simplesmente usar o transporte de massa a se caracterizar como "peregrino" (eis que os cartões normais não serão aceitos), e reduzindo o transporte público a simples meio de excursão de fiéis (lembrando também que os ônibus, meio de transporte coletivo, e as vans fretadas simplesmente estarão proibidos em Copacabana naqueles horários), viola-se o inciso VI do artigo quinto da constituição da república, que prevê a liberdade de consciência e de crença, caracterizando o crime de responsabilidade segundo o artigo 7º, inciso IX, combinado com o art. 74 da lei nº 1079 de 10 de abril de 1950. Afora o art. 9º, inciso IV, da mesma lei, tendo em vista a violação do artigo 19 da constituição da república.
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
No caso do prefeito (que está sendo investigado pelo Ministério Público estadual: http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/paes-rebate-mp-e-confirma-que-prefeitura-apoiara-visita-do-papa-ao-rio-10072013), a legislação é outra, o decreto-lei nº 201 de 27 de fevereiro de 1967.
O Supremo Tribunal Federal proferiu recentemente decisões relativas à laicidade do Estado. A ADI nº 3510, julgada em 2008, que tratou da pesquisa com células-tronco embrionárias, foi um caso; a ação, proposta, pela Procuradoria-geral da República, tinha argumentos basicamente religiosos sobre a vida e a personalidade humanas; se tivesse sido julgada procedente, teríamos um precedente perigoso contra o Estado laico.
Na ADPF nº 54, o tema era o aborto de fetos anencéfalos; diferentemente da outra ação, Marco Aurélio Mello (aqui, o Ministro relator) teve sua posição respaldada pela maioria do tribunal. Esta passagem do voto é muito boa e apresenta o que está sendo violado no Rio de Janeiro:
Ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião. Todavia, como se vê, as garantias do Estado secular e da liberdade religiosa não param aí - são mais extensas. Além de impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem que o Estado endosse concepções morais religiosas, vindo a coagir, ainda que indiretamente, os cidadãos a observá-las. Não se cuida apenas de ser tolerante com os adeptos de diferentes credos pacíficos e com aqueles que não professam fé alguma. Não se cuida apenas de assegurar a todos a liberdade de frequentar esse ou aquele culto ou seita ou ainda de rejeitar todos eles. Significam que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais, tais como o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução.Poder-se-ia propor novo pedido de impedimento do governador; já existe esta, assinada pelos deputado estaduais Marcelo Freixo (PSOL), Paulo Ramos (PDT) e Luiz Paulo (PSDB): http://www.brasil247.com/pt/247/poder/107877/
Como o governador possui maioria na ALERJ, e de qualquer forma ela está em recesso e não avaliaria nada agora, muito menos uma questão dessa relevância, é possível que só reste, neste momento, além de uma ação popular que seria julgada em futuro indeterminadíssimo, reler o livro que Alberto Pimenta escreveu em homenagem à ida de João Paulo II a Portugal em 1982, A visita do Papa.
Publicado pela &etc, o volume, tecnicamente, é um panfleto composto por um só poema. Nele, temos o desfile das diferentes ações da sociedade portuguesa à espera do ilustre chefe de igreja:
Os deputados erguem as nádegasO tradicional uso da força, que o Judiciário fundamenta exatamente nas tradições, a polícia como principal política de Estado após a democratização do país (a Revolução dos Cravos ocorreu em abril) e a venalidade das autoridades são expostas em uma série de variações:
para lhes serem metidas moedas na ranhura.
Os investidores apostam na sementeira
de guardas-republicanos.
Os magistrados justificam o uso
da força com a força do uso.
Os militares apoiam a democracia em
geral e o cão-polícia em particular.
Os mestres ensinam os cães particulares
a defecar nos passeios públicos.
Os escritores erguem a voz acima de todas para
dizer que todas as vozes se devem fazer ouvir.
Os funcionários públicos zelam porque tudo
o que não é proibido seja obrigatório.
Os sacerdotes encaminham a alma
para o sétimo céu.
Os internados no manicómio recebem
coleiras novas com o número fiscal.
O povo digere tudo porque tem
dentes até ao cu.
Os polícias de choque referem-se
às conquistas de abril.
Os anjos da guarda interceptam os
pacotes com as bombas e explodem.
Os magistrados que apoiam a democracia emPimenta não esquece dos investidores que lucram com a visita papal e com a limitação da democracia. O poema é concluído com a sutil mensagem do Papa, que não transcreverei. No entanto, deixo estes versos, que talvez sintetizem a questão, também no Rio de Janeiro:
público e o cão-polícia em particular.
Os militares que empunham o fecho-éclair
para fazer luz sobre o assunto.
Os tecnocratas que manipulam os dados
com os dedos e os dedos com os dados.
Os psiquiatras que ajudam os cães a com
pensar o seu complexo anal e vice-versa.
[...]
As autoridades que apostam na bosta para
a sementeira dos guardas vingar.
Os deputados que justificam a força
do uso com a força do uso da força.
Os investidores que apoiam a polícia da
democracia e o cão em ge(ne)ral.
Justificar a força do uso com
a força da usura.
Petição: Secretaria Nacional dos Povos Indígenas.
ResponderExcluirO Brasil avançou muito nestes últimos anos.
Por um lado, ele se transformou num exemplo de democracia para a América Latina.
Mas, por outro, persistem situações concretas que nos denigrem
e que exigem respostas imediatas de governantes e governados.
Algo faz falta há muitos anos:
a existência de uma Secretaria Nacional dos Povos Indígenas.
http://www.avaaz.org/po/petition/Secretaria_Nacional_dos_Povos_Indigenas/?fgsJddb&pv=0