Para Adriano
Eu seria uma pessoa feliz
se visse meu sangue com menos frequência?, perguntou
o tradutor, e enxugou o papel;
a tradução continuou úmida.
ela olhou para a chuva: 'é meu sangue. Mas não queria molhar as pessoas na rua', acrescentou triste.Não sei se a felicidade
sangra mais do que eu, ponderou
o tradutor e mutilou o papel,
mas os versos se mantiveram secos.
ela contemplou a chuva: 'são minhas veias. Não queria com pessoas afogar as ruas', calou-se melancólica.Existe a felicidade e existe o sangue,
não sei quem irriga quem, o tradutor
murmurou e começou a vasculhar com a faca
as diferenças entre o corpo e os versos.
ela ignorava a chuva: 'não chegou a menstruação. Devo estar grávida da cidade e de outros animais', cuspiu sonolenta.As cicatrizes certamente
são mais felizes do que eu, calou
o tradutor, enquanto se enforcava
para que os versos pendidos secassem ao vento.
ela cegou a chuva: 'é meu coração. A cidade é um infarto cheio de animais carnívoros', gritou com fome.O vento traduziu a forca
em versos e outras
precipitações atmosféricas.
A chuva, como traduzi-la?
O tradutor poderia sabê-lo, embora
sangrasse? Embora
estivesse úmido da felicidade e dos outros animais?
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