O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Caravana Sudamérica 43 e as Mães de Maio: massacres no México e no Brasil


Familiares dos 43 estudantes assassinados em Ayotzinapa chegarão em São Paulo no dia 2 de junho. Divulgo abaixo o texto da Caravana Sudamérica 43 e sua lista de apoiadores.
A terrível história é mais um dos crimes do Estado mexicano: estudantes da Normal Rural de Ayotzinapa foram executados pela polícia municipal em setembro de 2014: leiam a história, que teve repercussão mundial. Os estudantes estavam "fazendo uma coleta de recursos entre a população local para a manutenção da sua escola e para assistir a marcha nacional contra o esquecimento da matança dos estudantes de 1968". Acabaram sendo alvo de outro massacre.
Eu sabia dessa chegada porque ela foi um dos assuntos do último encontro do seminário das quartas-feiras da Faculdade de Filosofia da USP, dia 27 de maio, em que estiveram representantes das Mães de Maio. As Mães receberão os familiares mexicanos. Como se sabe, elas também representam famílias que sofreram um massacre: o assassinato de centenas de jovens na periferia de São Paulo em maio de 2006.
O crime foi impressionante: o número de vítimas foi maior do que o de militantes políticos durante os anos da ditadura militar (menor, claro, do que o de índios e camponeses mortos pela ditadura, que são mais de dez mil). E gerou resposta imediata do Ministério Público do Estado de São Paulo, em 25 de maio: um elogio público à Polícia Militar... O que é uma das razões pelas quais as Mães de Maio pedem a federalização desses crimes.
Foram três membros do movimento ao seminário. Débora Maria da Silva explicou que os mortos das Mães de Maio "têm nome e sobrenome", exigindo memória e justiça, e que elas não querem "poder de gabinete", mas "poder de transformação": sabiamente, não querem se institucionalizar, mesmo na Comissão da Verdade da Democracia, que segue trabalhando: "Este movimento tem cérebro. Nós não somos coitadas. Somos guerreiras, nós não nos curvamos pro Estado."
A uma indagação sobre o deputado estadual Telhada, do PSDB, que é contrário ao movimento, Débora respondeu que ele é um "produto da sociedade paulistana", "que não vê o outro da periferia". Sobre o Ministério Público estadual, ela reiterou que os procuradores não fazem a fiscalização externa da polícia e que pedem o arquivamento dos inquéritos, apesar dos laudos apontarem para execuções.
Danilo Dara informou que estão produzindo novo livro para os 10 anos dos crimes e criticou o "mercado de direitos humanos": acadêmicos e organizações não governamentais que usaram as Mães para promoção própria. Ouçam-no falar sobre a desmilitarização da polícia (outro dos temas do seminário) nesta entrevista à Central Autônoma.
Francilene Gomes Fernandes falou da dissertação de mestrado em Assistência Social, pela PUC-SP, que elaborou sobre os crimes de maio, "Barbárie e direitos humanos: as execuções sumárias e os desaparecimentos forçados de maio (2006) em São Paulo", e a dificuldade ética e metodológica de estudar o objeto em que ela diretamente implicada, que acabou se tornando uma vantagem. E ela explicou que as Mães não tiveram "nenhum apoio da Defensoria Pública em nenhum momento".
Entre outras perguntas, o professor Paulo Arantes quis saber da relação do movimento com os familiares de mortos e desaparecidos políticos. Francilene afirmou que "não existe hierarquização de nossas lutas", "é um crime de lesa-humanidade". Alguns dão apoio, como Ângela Mendes de Almeida e Alípio Freire, mas Danilo denunciou que "a maioria ou silencia ou está se lambuzando em cargos". Eles mencionaram a atuação de Adriano Diogo, que foi preso político da ALN (Ação Libertadora Nacional), presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva" e apoiou a fundação da Comissão das Mães de Maio.

Foi uma ocasião importante para a discussão da possibilidade de construir a democracia e a justiça no Brasil. E a vinda do Movimento do México será importante para ampliar o debate a articular ações, imagino.
No contato com as famílias mexicanas, vemos a ampliação da rede desses movimentos de direitos humanos, que não devem se circunscrever aos limites nacionais, sendo as execuções sumárias e os desaparecimentos forçados os instrumentos criminosos de "gestão" das populações que os Estados da América Latina (e, sim, o Brasil pertence à América Latina) tantas vezes empregam com moradores das periferias, bem como com os negros e as populações indígenas.
Sugiro o acompanhamento das notícias da Caravana no portal do Coletivo Antiproibicionista DAR.

Depois de passarem por Argentina e Uruguai, familiares dos 43 estudantes desaparecidos pelo Estado mexicano em setembro do ano passado desembarcam em São Paulo na noite desta segunda-feira para a primeira das três etapas brasileiras da Caravana 43 Sudamérica. A iniciativa, organizada por coletivos e movimentos sociais autônomos, busca demonstrar solidariedade com a luta dos familiares e fazer ecoar suas demandas por justiça e apresentação com vida dos desaparecidos.

Inaugurando os eventos no dia 2, a partir das 14h, haverá uma coletiva de imprensa na qual os familiares explicarão melhor a Caravana Sul-americana e suas demandas. Ela acontecerá na sede da Kiwi Cia. de Teatro, no centro da cidade. Os familiares não estarão disponíveis para entrevistas no restante dos dias.

Haverá ainda um debate público, a ser realizado às 19h do dia 2 de junho e do qual participarão as Mães de Maio, também no centro, e um sarau na noite do dia 3 de junho, no Taboão da Serra, organizado pelo Sarau do Binho em conjunto com outros saraus da periferia paulista, no qual será prestada solidariedade e homenagem aos familiares de Ayoztinapa e sua luta.

O debate do dia 2 de junho será precedido de uma intervenção teatral pública na Praça da Sé, às 18h, organizada pelo grupo de teatro Coletivo de Galochas, e a agenda dos familiares contará ainda com uma visita a uma aldeia indígena na zona sul da cidade.
A Caravana 43 Sudamérica começou no dia 16 de maio e no total passará por sete cidades: no Brasil incluirá também Rio de Janeiro e Porto Alegre. O recorrido acontece nos mesmos moldes de movimentações recentemente organizadas nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa, onde familiares dos desaparecidos passaram por doze países.

Mais informações:

Programação pública completa
2 de junho (terça), às 14h – Coletiva de imprensa com os familiares
Kiwi Cia de Teatro: Rua Frederico Abranches, 189

2 de junho (terça),
às 18h, intervenção teatral na Praça da Sé. Coletivo de Galochas.
às 19h – Debate público – Caravana 43: familiares de Ayotzinapa, Mães de Maio e suas resistências
Quadra dos bancários: rua Tabatinguera, 192

3 de junho (quarta), às 20h – Ayotzinapa somos todxs – Sarau do Binho com outros saraus
Espaço Clariô: Rua Santa Luzia, 96 – Taboão da Serra
  
Coletivos que compõem a Caravana em São Paulo:  
Mães de Maio
Movimento Passe Livre – SP
Casa Mafalda Espaço Autônomo
Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais CATSO  
Rede 2 de Outubro
Espacio de Lucha Contra el Olvido y la Represión (ELCOR) – Red Contra la Repression (México)
Margens Clínicas
Comboio Moinho Vivo
Rizoma Tendência Estudantil Libertária
Coletivo DAR (Desentorpecendo a Razão)
Rede Extremo Sul
Comissão Yvyrupá

P.S.: As Mães de Maio deram um lindíssimo fora na editora Boitempo nesta nota: http://passapalavra.info/2015/06/104815

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