Tarso escreveu "para uns 50 poetas, mais ou menos, uma mesma enquete, com a qual pretendo apenas dar a ler, neste blog, o que andam pensando (sobre poesia, mas a gente sabe que nunca é só sobre poesia) algumas das mais interessantes cabeças que estão espalhadas por aí". Generosamente, incluiu-me nessa lista.
Ele também me havia pedido um artigo acadêmico que demorei bastante a terminar, enquanto descobria que o problema bem renderia um livro e que o texto seria apenas exploratório. Decidi que iria terminar o artigo para depois responder à enquete, que não tinha prazo nem editora esperando.
Não quis ler as respostas dos outros antes, pois ficaria tentando a comentá-las, e esse não era o propósito. Quando finalmente comecei a responder, percebi que poderia escrever vinte páginas, tal era o interesse das questões. Percebi e parei imediatamente de escrever, antes de abusar da paciência dos leitores do Tarso.
Nas minhas respostas (alerto apenas que a estrofação dos meus poemas saiu bastante errada), fiz referência a um dos textos críticos exemplares de Sérgio Alcides (embora seja um dos mais curtos dele). Fiquei surpreso ao ver que ele, que já havia respondido à enquete, aparentemente também o fez, comentando-o por causa de críticas que recebeu e que eram, em contradição performativa, contra a possibilidade da crítica.
Já fui acusado de “nostalgia” por defender um ponto de vista crítico diante dos tempos atuais – mais especificamente por lamentar a asfixia da crítica literária, hoje confinada no Brasil a um ambiente por definição antagônico a ela, que é o academismo. A mesma pessoa ainda me chamou de “pedante” (o que já é mais francamente um xingamento). Mas quem me desqualifica assim tão rápido, sem argumentos, com duas palavras, também poderia ser desqualificado só com uma: “conformismo”. Seria outra forma de simplificar demais o problema, porque o guarda-roupa não se resume a dois uniformes, a batina preta de um reacionário ou a bermuda estampada dos cabeças-de-vento. Eu, pelo menos, prefiro um traje que não me reduza a um estereótipo – o que por si só já é politicamente bem arrojado, no contexto.
Creio que ele aponta um dado fundamental, pois muitas vezes se apresenta como "discurso crítico" algo que é uma indigência intelectual impressionante: o argumento ad hominem, o clichê, o machismo, o racismo etc. são assumidos, em redes sociais, como "crítica", aliados às velhas taras do compadrio e da personalização dos debates públicos, que continuam.
Claro que toda essa indigência e taras dispensam o pensamento ainda não pensado e, portanto, são mais cômodas para quem acha que está criticando alguma coisa apertando um "curtir" no telefone celular. Mais claro ainda que elas não mudam nada, exceto no fato de que colaboram para a erosão do público, e a erosão ininterrupta pode levar à extinção do que resta.
Tentei escrever algo sobre esse rebaixamento ao falar dos literatos autorreferentes, tão jovens e tão velhos, que tentei satirizar na etiqueta para escritores em redes sociais, a nefasta degradação de pensar que "não há criação fora do marketing. Temos que assumir este Zeitgeist, que nos recorda que são as palavras que criam o Mundo, e o mundo existiu para terminar numa Mercadoria".
Vinte autores já responderam, na ordem: Dirceu Villa, Eduardo Sterzi, Guilherme Gontijo Flores, Adriano Scandolara, Carlos Felipe Moisés, Paulo Ferraz, Heitor Ferraz Mello, Reynaldo Damazio, Dalila Teles Veras, Sérgio Alcides, Ronald Polito, Carlos Ávila, Carlos Augusto Lima, Sérgio Cohn, Fernando Fábio Fiorese Furtado, Lucas Bronzatto, Hélio Neri, Danilo Bueno, Ruy Proença e um outro. Espero que Tarso responda também, com uma quinta pergunta, que sugiro: por que criar uma enquete sobre poesia exclusivamente para poetas?
A respeito do conjunto já presente no blogue, para mim o mais interessante foi ler Sérgio Alcides, que tratou da contemporânea crise da experiência e sua relação com a poesia. Isso é fundamental. De fato, creio que, se a poesia é assunto urgente - sobre poesia, já - é porque ela diz respeito às possibilidades de estar no mundo e recriá-lo. A vida só é possível se reinventada (lembro de Cecília), e a invenção é exatamente a substância da poesia. Como dizem os argentinos (relembro a foto que tirei há poucos anos em Buenos Aires), "Mais poesia, menos polícia". Faço notar que a resposta de Alcides à última pergunta foi particularmente bem detalhada (mais do que todos os outros autores), pois explica bastante o poema de Ted Hughes que escolheu do livro que está a traduzir.
Vejam também que incluiu um post scriptum explicando melhor certas passagens e insurgindo-se contra as concepções de poesia "papel de bibelô para um campo de especialistas, como um ramster de laboratório, na autotelia giratória de sua roda, perfeitamente academizado". Como ele já escreveu, "Não sou do partido dos bibelôs de inanição sonora de que falava Mallarmé. Ao bibelô, prefiro o libelo."
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