Depois de ter visto uma resenha que mencionava, com alguns equívocos, este livro, resolvi escrever esta nota. O resenhista julgou que o volume se anunciava como uma obra completa apesar de, já na nota inicial, ele ser apresentado como uma obra póstuma deixada dentro de uma pasta rosa (alusão a Ana Cristina Cesar?) pelo lamentado autor.
Guilherme Gontijo Flores continua vivo, felizmente, e já teve o raro privilégio de lançar este livro póstumo, L'azur blasé ou ensaio sobre o fracasso do humor (Curitiba: Kotter Editorial, 2016; na ficha, 2015), em Curitiba e em São Paulo.A obra ficcionalmente póstuma integra uma tetralogia (Todos os nomes que talvez tivéssemos), anunciada por Gontijo Flores outras vezes, com Brasa enganosa e Tróiades - remix para o próximo milênio, que conhecemos, e o inédito Naharia, que os organizadores de L'azur blasé anunciam que também publicarão postumamente...
Tratando dessa forma da morte, na dimensão da autoria, este livro encontra uma de suas relações com Tróiades, que encontrava aí seu principal tema e partia de materiais de autores todos mortos. Formalmente, os dois livros são muito diferentes, e surpreende que possam ser partes de um mesmo conjunto. No entanto, além da questão da morte, há outras relações, que provavelmente vão se tornar mais claras quando vier o último volume da tetralogia.
A orelha deste livro apresenta uma foto do poeta com óculos de natação fazendo pose de afogado, e o primeiro poema refere-se a essa imagem, com alusão malandras a Rimbaud e Mallarmé. Em outra das brincadeiras com a intertextualidade, um dos poemas tem o título uma gertrude para bartleby. As referências clássicas também estão presentes no livro deste latinista.
A pasta rosa de l'azur divide-se em cinco partes: "parte da ética", "cítrica", "acadêmica", "etílica", "cataio", "a vida e as opiniões do barnabé guilherme gontijo flores, servidor do estado", "excurso". Os poemas, em geral correspondem às seções, mas nem sempre; algumas vezes, eles estão realmente com ar de incompletos - em nome da qualidade da ficção póstuma, Gontijo Flores sacrifica um pouco a fatura dos poemas e a organização, e creio que acertou em fazê-lo. Mensagens de internet, notas de rodapé, soneto, hai-kai, o livro programaticamente rejeita uma unidade formal.
Cito um trecho de cada parte; o primeiro é todo um poema:
a bên
ção pai
enquan
to não
te co
mo pe
ço tu
do me
nos u
ma voz
eu disse naum ha mais nada pra fazer
q jah num teja feito LOL
terencio de botecos e outros blefes
msm q dito e feito - o que fazer? =)
poeta ao molho de laranja
na ceia do antropofágico aníbal
lecter - eis a verdadeira
-------------------fragmentação
a mais interessante fragment
-------------------ação
do sujeito contemporâneo