Quando o cantor se interrompe,
a voz ainda continua?
(por quem? por quanto tempo?)
Se o cantor fecha os lábios,
abre-se ainda a boca da voz?
Abre-se para o mundo,
e o mundo se fecha:
o cantor é interrompido
seja pelo decreto, seja pelo câncer,
(o poder e a metástase
imitam-se mutuamente)
seja pelo mercado, seja pela bomba,
(igualam-se em estrondo
os produtos e a devastação)
e pouco resta à palavra
senão automatismos à venda.
O cantor foi interrompido,
cessaram os mecanismos do fôlego;
toda a atmosfera
ressoa como o deserto.
(contracústica, infra-
-diafragmática, a voz conspira
multicostal sobre o risco)
(não a voz sob o risco,
porém a música,
que entrou sem ingresso
no espetáculo do mundo)
A voz, que mande notícias,
ela suspendeu os informes
que garantiam o fluxo
entre o cantor e o mundo.
(um coro só de objetos não sonoros,
que cantores poderiam igualá-los
na solidez e na pontaria?)
(ou um coro só de ausências,
todo feito à imagem do público?)
O cantor sob interrupção
não pode entregar a vida,
deixa que a voz o faça.
(explodida a voz, ouvimos
enfim o cantor, ou os estrondos
vêm de outra fonte: a música, talvez?)
(o mundo não se organiza em coro
e decreta que a ousadia de somar vozes
pagará um preço muito caro)
Somente não interrompe o cantor
o silêncio,
que o ouve agora.
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