O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Julián Axat e a pele viva da voz


O poeta e jurista Julián Axat nasceu em 1976, ano do último golpe militar na Argentina. Quando tinha sete meses de idade, seus pais foram sequestrados por agentes da repressão e nunca foram encontrados. Esse fato marca sua literatura e sua ação política: além de escrever e editar literatura relativa ao terror de Estado, ele integra a organização HIJOS, que reúne os descendentes dos desaparecidos políticos.
Desde 2008, trabalha como Defensor Público em La Plata, onde se ocupa do direito da infância e da adolescência. Na condição de editor, coordena um projeto de recuperação de documentos literários chamada Los detectives salvajes da editora de la Talita Dorada, de City Bell. Nela, foram publicados autores desaparecidos como Carlos Aiub (Versos aparecidos, 2007) e Joaquín Areta (siempre tu palabra cerca, 2010), o assassinado pela Triple A (o equivalente argentino do Comando de Caça aos Comunistas) Jorge Money (En la exacta mitad de tu ombligo, 2009). Também poetas contemporâneos foram incluídos, entre eles o próprio Axat e seu último livro, ylumynaria (2008).
Tirei esta foto enquanto Axat falava em São Paulo sobre essa experiência no Seminário Internacional Exílio e Migrações Forçadas: América Latina e Europa, em mesa com as professoras e historiadoras Priscila Ferreira Perazzo e Maria Luiza Tucci Carneiro (organizadora do evento, que ocorreu em abril de 2010 na ECA/USP).
Descobri a poesia de Axat em viagem à Argentina, vasculhando as estantes de poesia das livrarias. No número 22 de K Jornal de Crítica, publiquei resenha sobre os dois últimos livros desse autor ylumynarya e médium (Poética belli). Além desses, Axat lançou Los albañiles (La Plata, 1994), Peso formidable (Buenos Aires: Zama, 2003) e servarios (Buenos Aires: Zama, 2005).
Com a resenha, saiu a minha tradução deste poema de médium:


diário de viagem v.


às vezes
me meto no cemitério
e mergulho nos ossários

desesperado
navego
nado o nada

me afogo
me afogo entre fêmures e mandíbulas

armo puzzles impossíveis
dentes com metacarpos
omoplatas com espinhas

e assim passo a noite
escondido
cansado
de tanta originalidade
para armar elos perdidos

porém antes de converter-me
na fracassada “equipe-de-mim-mesmo-legista”

deixo os ossos de lado
e escrevo um poema

que me devolve
a pele viva de sua voz


Aqui pode-se ler o blogue da coleção Los detectives salvajes:
http://www.coleccionlosdetectivessalvajes.blogspot.com/

A resenha que escrevi ainda pode ser lida na Weblivros, no número 22 do K:
http://www.weblivros.com.br/k-jornal-de-cr-tica/index.php

Realizei com o poeta a entrevista Julián Axat: Poesia e desaparição, editada por Fabio Weintraub, que pode ser vista no YouTube. Ele trata da memória, desaparecimento e poesia, testesmunho, luto e impunidade. Trata-se de uma literatura que dialoga com a justiça de transição, portanto, mas também com a biopolítica, pois o direito à memória e à verdade é configurado como a recuperação e a reconstrução dos corpos desfigurados pelo terror do Estado. Apresentei um trabalho sobre isto na UFSC, e logo que estiver disponível, deixo aqui a ligação. Por enquanto, fica apenas mais esta, a da entrevista:



http://www.youtube.com/watch?v=_suAfSOzr3U

Nenhum comentário:

Postar um comentário