O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Universos paralelos da educação: ensino do direito e invasão iminente do país


Os estudantes, em certas faculdades, são selecionados aparentemente por um concurso, mas, na verdade, todos aqueles que se candidatam são recebidos sem exceção, até mesmo aqueles que [...] não escrevem corretamente [...] vimos certas faculdades privadas aceitarem falsos certificados [escolares].
Os estudantes dessas faculdades não têm intenção alguma de levar adiante seus estudos. Eles se inscrevem unicamente para, ao fim de quatro anos, obter o diploma de bacharel em direito. [...] Eles só vão à faculdade nos dias em que suas presenças são verificadas. Vimos estudantes pedir ao professor para suspender a aula com os pretextos mais estranhos.
Em certas faculdades privadas de direito, os exames são bem frequentes. Cada semestre aplicam-se ao menos dois. [...] Quando a data é marcada, os estudantes dessas faculdades, em vez de prepararem seus cursos, pedem decididamente a seus professores, seja para informar os assuntos prováveis da prova, seja para indicar as páginas onde estão esses assuntos. Quando chegam para a prova [...] os estudantes simplesmente copiam o que prepararam [...]
Quem corrige as provas tem o dever de ser indulgente e de dar ao menos a média, sem o que o descontentamento dos estudantes e, em seguida, o da direção (que os considera como clientes) vão-lhe valer a perda de seu cargo.


Todos já devem ter logo imaginado onde cenas atrozes de ignorância explícita como essas ocorrem: a China da primeira metade do século XX.
O texto acima é uma tradução que faço de citação do livro Le Droit Chinois (O Direito Chinês) de Jean Escarra, jurista francês morto há mais de meio século.
Os grifos são de Haroldo Valladão, que foi um dos grandes especialistas brasileiros em direito internacional provado. Eu copiei o trecho da longa citação que ele faz no livro O ensino e o estudo do Direito especialmente do Direito Internacional Privado no Velho e no Novo Mundo, de 1940. Ele citou em francês, a tradução é minha.
Valladão sabiamente comenta:

Não é de estranhar, em face do que foi exposto, a decadência a que vem atingindo o célebre país do Extremo Oriente, interna e externamente, presa fácil das invasões estrangeiras.


Imaginem, um país assim dedicado à burrice diplomada! Seria logo invadido, primeiro por profissionais qualificados estrangeiros por falta de mão-de-obra nacional!
Depois, pela falta de futuro. Em seguida... Não sei, mas tenho o palpite de que boa parte da ignorância diplomada, com sua intolerância e incompetência, gostaria de engrossar o exército de reserva do fascismo.

6 comentários:

  1. Em se falando de educação de nível superior e, mais especificamente, do curso de direito... Não precisamos ir tão longe!
    Conheço professores de direito em faculdades particulares aqui em minha cidade (Florianópolis-SC) e é triste ouvir seus lamentos com relação aos seus alunos. Muitos têm o único objetivo de adquirir o diploma, seja para prestar concursos públicos, seja para receber alguma promoção em seus cargos públicos já ocupados ou, pior, para advogar. Mal sabem escrever, não conseguem escrever um texto coeso e muito menos, inteligente ou compreensível. É muito bom que o ensino superior tenha se tornado mais acessível a todos, mas talvez fosse necessária uma maior fiscalização e cobrança por parte do MEC às faculdades e por consequencia, maior cobrança aos estudantes. O que não pode continuar é essa ficção, onde os alunos fingem que aprendem e os professores fingem que acreditam.

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  2. Prezado Nirsan Grillo,
    obrigado; é muito interessante a história que conta sobre Florianópolis... Tal situação, portanto, não se limitou à China da primeira metade do século passado? Que surpreendente! Quem sabe outras pessoas presenciaram casos semelhantes em outras cidades do Brasil? Verei se surgirão mais comentários como esse.
    Algo escapou a minha compreensão, devo confessar, na história que contou. Parece-me um pouquinho contraditório achar que, sem aprender nada, será possível advogar (o que pressupõe passar na provinha da OAB) e passar em concursos públicos!
    Todavia, como são as pessoas mais inteligentes que adotam esse tipo de atitude (imagino), elas devem, com uma perspicácia que jamais terei, ver que não há nada de incongruente nessa atitude...
    Só discordo de uma coisa do que você escreveu: a acessibilidade do ensino superior. não acho que tenha realmente aumentado. Se o ensino é desse jeito, não adianta torná-lo acessível, porque o acesso terá sido a nada.
    A única forma de realmente tornar acessível o ensino superior no Brasil é melhorar a educação fundamental. Da forma como estamos, há uma porcentagem pequena de população com idade universitária que está efetivamente no curso superior. Mas essa porcentagem já é maior do que aqueles que estariam APTOS a estar na faculdade, simplesmente porque a escola não alfabetiza (é claro que estou pensando na questão de classe social: a escola onde a maior parte dos brasileiros estuda não alfabetiza).
    E a universidade não tem condições de resolver essas deficiências de escolaridade, nem é o papel dela substituir o ensino fundamental (os colégios de aplicação, claro, são uma boa ideia - mas eles não podem atender todo o sistema).
    Pode-se defender que um analfabeto bacharel é melhor do que um analfabeto sem diploma. Já ouvi isso algumas vezes. Mas acho cínico.
    Abraços, Pádua.

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  3. Olá Pádua,

    sim, é algo muito complexo para se discutir em poucas linhas. Há muitas questões que antecedem tal problema, um deles é a qualidade do ensino fundamental. Também penso nessa contradição: fazer um curso superior de direito ou qualquer outro curso, de maneira descompromissada, sem condições de colocar no papel idéias coesas e compreensíveis e passar em concursos públicos ou advogar, já que ambas as situações exigem a aprovação em concursos dificílimos.

    Mas, com relação aos concursos, penso que “marcar o X” no gabarito, algumas vezes não consegue avaliar se o candidato efetivamente entende o assunto e tem condições de ser um bom servidor público, ou um bom advogado. Embora, muitas bancas estejam incluindo nos certames as questões discursivas, o que penso, seja positivo.

    O fato é que me surpreendo com as histórias a respeito dos referidos alunos e, inclusive, já tive oportunidade de ler alguns trabalhos e é triste perceber a “qualidade” de alguns.

    Quando nos expressamos por meio da escrita precisamos ser cautelosos para passar o melhor entendimento possível do que estamos querendo dizer. De fato, meu comentário foi superficial e, claro, em se tratando de Brasil, o ensino superior ainda é acessível a pouquíssimas pessoas. Infelizmente, a classe mais humilde é simplesmente “descartada” do sistema.

    Quando mencionei anteriormente “acessível”, quis fazer um paralelo com tempos atrás, em que apenas completando o antigo “segundo grau” já se conseguia entrar no mercado de trabalho e não se pensava muito em fazer a faculdade, ao menos no meu antigo mundinho da infância e adolescência, de origem mais simples. Sou do tempo em que as pessoas se admiravam e me elogiavam quando sabiam que eu havia me formado no “segundo grau”. Felizmente, um pouco mais tarde conscientizei-me de que era muito importante fazer uma faculdade e quando a fiz, lamentei por inúmeras pessoas não terem acesso ao que tive.

    Hoje, dada a loucura do capital – com exigências cada vez maiores – somente com a graduação muitas vezes não se consegue um emprego digno. Fazendo com que os estudantes “engatem” uma pós-graduação ou cursinhos preparatórios para concursos públicos. De olho nesse nicho de mercado, percebo que escolas e mais escolas têm se instalado pelo Brasil oferecendo cursos superiores, em que o pré-vestibular se faz mediante um mero cadastro e o respectivo pagamento da matrícula, o que não critico. Além, é claro, dos financiamentos subsidiados pelo governo ou ofertados pelas financeiras aos estudantes. O que quero dizer é que nos últimos anos, muitas pessoas têm tido a oportunidade de cursar o ensino superior e todo esse fenômeno, para mim, tem significado essa “maior acessibilidade”.

    Maior acessibilidade ao ensino superior é um sonho! Aliás, todo país que queira crescer, queira se desenvolver deve investir em educação, desde o ensino básico obviamente.

    Retornando ao ponto central da discussão, minha principal preocupação é com relação à qualidade dos profissionais que têm se formado em inúmeras instituições de ensino superior, principalmente as particulares. Como os alunos são exigidos pelos professores e como aqueles se comprometem com o curso e com a futura profissão que irá exercer.

    Abraços,

    Nirsan Grillo

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  4. Prezado Nirsan Grillo,
    concordo, a proliferação do MBA vem disto: "dada a loucura do capital – com exigências cada vez maiores – somente com a graduação muitas vezes não se consegue um emprego digno".
    Abraços, Pádua.

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  5. Prezada Nirsan,
    mil perdões! Na sua figura anterior, havia um casal, e eu conheci um senhor chamado Nirsan. Por isso, errei.
    Hoje vi outra notícia inquietante: faltam trabalhadores qualificados para as padarias no Brasil.
    Abraços, Pádua;

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