Enquanto o projeto de Código Florestal vai abrindo seu caminho legislativo a golpes de motosserra, pistolagem, contrabando, tóxicos e outros instrumentos do agrobanditismo, escrevo aqui mais um poema de meu livro inédito Cálcio.
Alvará de demolição
no campo
o código da paz
legislado por armas
(cativo breu
propaga a sombra
dos palácios da república
às enxadas dos escravos:
– Visionária sustentabilidade da cinza
dos cocares ensanguentados
às feiras de artesanato tradicional)
os nervos roídos pela luta
nada sentia enquanto atirava
até que o cheiro de carne queimada
obrigou-o a olhar para a própria mão
baixou as sobrancelhas sem pelo
e o rosto habitado por orifícios novos
cavernas
onde o vírus refazia a origem do homem
viu os tocos dos dedos
ainda firmes
a empunhar o fogo rupestre
(cativo breu
caiu sobre o dia e não é noite
fez cair a noite sem ser eclipse
mas poente contínuo,
o céu desta república
– Sustentabilidade sólida da seca
dos velhos mananciais às novas represas,
deságua na minha taça)
a fumaça desenha nas paredes
o animal
a caça
ele mesmo
no campo
o código da floresta
semeado por corpos
nascem brotos
transgênicos
propagam outra coisa que já não é a lei
e sim uma ordem mais imperiosa
que a areia impõe aos quilômetros quadrados do sol
(cativo breu
dos fogos de artifício
comemorativos da república
acesa na terra ancestral
onde os mortos viviam
e estão sendo mortos novamente
cativo breu,
como o extermínio pode ser sustentável?
perguntam-lhe, e apaga as luzes
quando se leria a resposta nenhuma
– Alguns resistem com flecha ou fogo,
mas a sustentabilidade está do nosso lado:
nossas armas têm pontaria automática)
ele viu o fogo inteiro nos tocos de mão
e continuou a atirar
como as árvores, ainda de pé
embora o perfurassem, como às águas
e preparassem
o cerrado em fogo no fogo cerrado
desfazendo a origem do mundo
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
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