O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Cercas na garganta

Ricardo Lísias pediu-me no ano passado um breve poema para o número 2 do Silva, que é uma publicação gratuita nascida em 2011, com que ele pretende quebrar a grande imprensa.
Silva, é claro, saiu com textos muito melhores do que o meu, incluindo autores como Veronica Stigger, Eduardo Sterzi e Fabio Weintraub, bem como, em trabalhos de diversos gêneros (com o predomínio da poesia), Leyla Perrone-Moisés, Priscila Figueiredo, Tarso de Melo, José Godoy, Noemi Jaffe, Gustavo Scudeller, Antonio Marcos Pereira, Paol Keineg traduzido por Ruy Proença, Victor da Rosa parodiando Manuel Bandeira, tudo isso com desenhos que nasceram da parceria entre Fernando Chuí e Evandro Affonso Ferreira. Não impressiona?
Naquela outra imprensa, eu havia acabado de ler algo que me chocou: a crônica de um poeta que combatia a retirada das cercas em uma praça no Centro do Rio de Janeiro.
A prefeitura teria se equivocado e o poeta estaria correto em uma cidade devotada a câmeras e grades? Não sei. Meu poeminha, aqui em versão ampliada, é apenas uma expressão do choque de saber que aquele autor, que poderia escrever a respeito da abertura dos caminhos, já que a grande poesia abre vias na língua, preferiu outra coisa.


O poeta pede cercas


– Nas praças, senhor?
Altas e pontiagudas.
– Nos versos, senhor?
Corpos em cima,
atravessados, ornamentais.

– Nos dentes e na língua?
Com instalações elétricas.
Se atômicas, o sangue, útil,
esfriará os reatores.

– Quando o galo cantar,
a aurora apertará seu pescoço?
Algo apodrece, mas não é meu canto,
as bactérias sucumbem
ao cordão sanitário do verso.
Algo apodrece, não o verso,
a manhã é que cheira mal sem grades.

– As rosas como cercas na garganta?
Ontem, entra de graça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário