O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Violência em Pinheirinho IV e Desarquivando o Brasil XXIV: Tradições da Polícia Militar





O Judiciário trabalhou intensamente para impedir que os direitos humanos fossem aplicados ao caso de Pinheirinho. No entanto, tendo em vista as mãos delicadas de quem assina as sentenças, deve-se reconhecer que a Polícia Militar, secundada pela Guarda Municipal de São José dos Campos, foi quem mais se esforçou na destruição física do bairro. Além da mão militar, suas ações prosseguem na área da comunicação, com envio de spam cujo conteúdo pode ser lido aqui: http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2012/01/pm-paulista-recorre-a-e-mails-em-massa-sobre-caso-pinheirinho
Destaco um trecho, decerto notável:

A Polícia Militar do Estado de São Paulo, instituição legalista que é, deixa claro que, em seus 180 anos de existência, sempre trabalhou em consonância com o ordenamento jurídico e balizada em três princípios básicos, que são: respeito integral aos direitos humanos, filosofia de polícia comunitária e gestão pela qualidade, sendo seu único escopo o respeito ao cidadão, ao povo brasileiro e às instituições democráticas. E assim sempre será.

Não se deve esquecer que esssa instituição é a mesma que adota uma visão negacionista em também relação ao passado e até ontem divulgava que em 1964 o Brasil sofreu uma revolução popular... O impressionate negacionismo da PM em reivindicar uma tradição legalista pode ser facilmente desmentido por seu presente. Aqui, quero apenas lembrar de seu passado.


A tradição, na verdade, é antilegalista. Já escrevi outras vezes aqui sobre o caso de Olavo Hanssen. Ele foi preso nas comemorações do Primeiro de Maio em 1970. Depois, foi torturado na OBAN e no DOPS/SP, envenenado e, após passar pelo Hospital do Exército, teve o corpo jogado perto do Museu do Ipiranga. Quem o prendeu, invadindo a comemoração autorizada do feriado, foi a Polícia Militar.
Na primeira imagem, temos um detalhe da lista dos presos, com o nome de "Hansen", em documento confidencial do DOPS/SP, que está no acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Nenhum dos Atos Institucionais permitiu a tortura e os desaparecimentos forçados. Dessa forma, as autoridades necessitaram da firme lealdade da Justiça Militar e do Ministério Público que atuava junto a essa Justiça para que nenhuma notícia desses crimes prosperasse.
Em outubro de 1975, os presos políticos do Presídio da Justiça Militar Federal enviaram uma longa carta (também guardada no Arquivo Público do Estado de São Paulo) ao então presidente da OAB, o civilista Caio Mário da Silva Pereira, que havia declarado que não tinha conhecimento de casos concretos de prisões irregulares e de arbitrariedades policiais!
Os presos resolveram instruir o pobre jurista explicando as diversas categorias de tortura e apontando diversos casos, fundamentando-se na lição de outro jurista, Seabra Fagundes, sobre quem devo escrever algum dia. Mal terminaram a carta, Herzog foi assassinado e foi mencionado em um adendo.
A determinada altura, fizeram uma lista de dezenas e dezenas de policiais e militares que teriam participado daquelas arbitrariedades e violações dos direitos humanos. Reproduzo aqui apenas as duas primeiras páginas com os nomes, em que se pode verificar que os presos não conseguiam identificar na Polícia Militar do Estado de São Paulo (e nem na de outros Estados, que também são mencionados) uma tradição legalista. Talvez o ângulo de visão permitido pelo pau-de-arara fosse o que impedisse os presos de distinguirem com a necessária nitidez aquela ofuscante tradição.
Afinal, o pau-de-arara, diante das outras modalidades de violação da integridade física e mental, nem era considerado tortura pelos agentes do DOPS/SP, como candidamente revela o ex-delegado José Paulo Bonchristiano, em matéria de Marina Amaral.








No final, os presos reafirmaram que os abusos não eram coisa do passado e continuavam a acontecer. O que devemos comentar, hoje, sobre essa continuidade? Que ela não necessita da ditadura para permanecer?

2 comentários:

  1. Caro Pádua Fernandes
    Ótimo post, vai direto ao ponto. Essa coisa que usam chamar de autonomia e independência dos Poderes é mesmo uma ficção perversa. Sendo partes de um mesmo sistema, pode-se prever que atuem em conjunto e, nos casos expostos no post, em conluio.
    Tem ainda uma passagem que me chamou atenção, que está no e-mail da PM, a afirmação de um "respeito integral aos direitos humanos". Há poucos dias, assistindo à audiência pública no Senado sobre o caso Pinheirinho, ouvi uma frase similar dita pelo senador Aloyzio Nunes. Segundo ele, desde o governo Montoro, a PM de São Paulo sustenta uma "longa tradição de respeito aos direitos humanos". Fico pensando... qual será o efeito na população desse tipo de inversão da realidade? De propaganda enganosa?
    Parabéns pelo blog.
    Um abraço,
    Artionka Capiberibe

    ResponderExcluir
  2. Caro Artionka Capiberibe,
    talvez o senador e essa polícia inspirem-se naqueles que disseram que, repetindo uma mentira mil vezes, ela passará por verdade.
    Abraços, Pádua.

    ResponderExcluir