O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Polícia, direitos humanos e o lugar-comum

O lugar-comum pode ser perigoso; como escreveu Machado de Assis na "Teoria do Medalhão", "as frases feitas, as locuções convencionais, as fórmulas consagradas pelos anos" não obrigam que os ouvintes se esforcem. Embora possa ter o efeito de veneno paralisador da inteligência, o lugar comum é um tóxico galhardamente consumido por todos, na verdade, pois é um instrumento poderoso de comunicação e serve como um laço linguístico entre os falantes.
Seu uso é condenável quando ele vem substituir a reflexão, ou quando vem referendar o poder de certos laços ou correntes sociais que devem ser cortados.
Um lugar-comum tão mais poderoso quanto falso é a dos "direitos humanos para humanos direitos", que simplesmente quer dizer "direitos humanos para humanos de direita", o que também não faz sentido e esconde "privilégios para quem manda" ou, simplesmente, "manda quem manda".
Contra isso, é necessário um pensamento que se oponha ao estado de exceção. Aqueles autores que nele se baseiem poderão apenas o repetir e desejarão o seu próprio estado de exceção, que será chamado de "verdadeiro". Por trás dessa arenga teórica, palpita o genocídio, como escrevi alhures.
Um lugar-comum correlato àquele afirma que os militantes de direitos humanos desejam afirmá-los apenas para bandidos, deixando as "pessoas direitas" desprotegidas. Um colunista da grande imprensa, na última segunda-feira, fez uma variação disso, explicando que "sempre tem" alguém para defender "drogados, bandidos e invasores da terra alheia", mas não os policiais. Está na crônica de Luiz Felipe Pondé, A polícia indefesa.
Lembro aqui do último grande ataque à polícia no Brasil, que não foi feito (que surpreendente!) por militantes de direitos humanos, mas pelo PCC no Estado de São Paulo, momento em que se romperam acordos mantidos com as autoridades.
A Anistia Internacional, que já condenou abertamente violações de direitos humanos por policiais, lançou novo apelo, desta vez pedindo a proteção desses funcionários públicos, AMR 19/025/2006, que pode ser lido em espanhol, em francês e em inglês.
A Anistia Internacional não deixou de criticar, em seguida, a resposta policial àqueles ataques, que não se dirigiu especificamente ao PCC - no documento AMR 19/010/2007.
É uma pena que o colunista, embora afirme, certas vezes, nadar contra a corrente, na verdade escreva reforçando lugares-comuns. Com isso, no entanto, contará com um público fiel, pronto para identificar-se com aquele que lhe oferece um espelho em vez de uma reflexão.
No mesmo texto, o colunista, filósofo de formação, ataca Foucault (chama-o de "fanático") mas teria o que aprender com ele. Em uma generalização grosseira, Pondé escreveu que as ciências humanas relacionam as forças policiais "apenas com 'aparelhos repressivos'". Quando ele estudar Foucault, descobrirá que o poder não tem efeitos apenas repressivos, e sim também constitutivos. Foucault chega a dizer que não é só insuficiente como perigoso reduzir o poder à noção de repressão. O poder produz saberes, discursos e até, pelo que vemos, colunas superficiais e errôneas.

5 comentários:

  1. Following you....foloow me at http://thewrongplaceatthewrongtime.blogspot.com/
    cia....

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  2. O poder reduzido à repressão é exatamente a antipremissa de todo o trabalho do filósofo na sua analítica das relações de poder.

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  3. Caro Bruno Cava,
    exatamente, mas ele teria que ser, de fato, um filósofo para saber disso...
    Abraços,
    Pádua

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  4. Só hoje descobri o seu blog.

    O Foucault fala e de "poderes", né.
    Com relação à anestia internacional é uma instituição que não tem o mínimo compromisso com os direitos humanos assim com a humans right watch e outras.

    Ela ajuda a propaganda da mídia para tornar este mundo ainda mais absurdo.

    Veja as "campanhas" que ela faz e você vai perceber que tudo é feito em coro com a mídia para convencer corações e mentes que as invasões, intervenções transfiguradas em "ajuda humanitária" ou aquelas hordas que eles imigram para um país para desestabilização, são necessárias.

    EUA e aliados nunca são questionados.

    beijo

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    1. Exatamente; ele discorda da visão do poder que ele chama de "jurídica", centralizada no Estado, adotada por filósofos como Hobbes.
      No tocante a críticas da Anistia Internacional às violações de direitos humanos nos EUA, pode-se ler aqui um relatório: http://www.amnesty.org/en/region/usa
      Abraços, Pádua

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