O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

domingo, 25 de dezembro de 2016

Apequenamento da imprensa, estreitamento da literatura

Esta nota é apenas um desabafo no âmbito das coisas que se perderam em 2016. Provavelmente não houve nenhuma alteração na grande imprensa brasileira, nos últimos anos, que não tenha sido regida pela diretriz do dumbing down. O jornalismo digital, com sua política de clique a qualquer custo, baseada em bobagens apelativas, notícias falsas ou não verificadas, não mudou esse processo.
A literatura é uma das artes que sofrem nesse processo. Como sinal desse apequenamento generalizado da imprensa brasileira, os jornais vão extinguindo seus cadernos literários, e dando mais razões para que deixemos de lê-los.
O término do Sabático de O Estado de S.Paulo, anunciado curiosamente sob o pretexto de "oferecer mais conveniência aos leitores do jornal" (para esse jornal, a leitura é inconveniente?), o fim do caderno Prosa de O Globo, em setembro de 2015, curiosamente "comemorando" o aniversário do caderno, são algumas das imolações recentes. Quando tuitei a extinção do Guia de Livros, Discos e Filmes da Folha de S. Paulo, anunciada sob o título sorrateiro de estreia de novo projeto gráfico e editorial e realização de "mudanças", não vi nenhuma repercussão, talvez em razão do formato reduzido das resenhas publicadas, pouco maiores do que um tweet;  mas ainda eram melhores do que nada.
Continuam vivos o Suplemento de Minas e o de Pernambuco. A revista Brasileiros, na contramão dessa tendência, criou um caderno de literatura há poucos anos. Oxalá continue. A revista Continente prossegue, e o jornal Rascunho também.
A grande imprensa diária, porém, quase toda, decidiu que a literatura não é mais com ela, exceto pelos nomes e prêmios ligados aos anunciantes. A lógica do star system, tão nociva à arte, tão cultivada pelo marketing, impera. Não mais se poderá acompanhar os lançamentos da literatura brasileira, havendo tantos nomes interessantes em pequenas editoras, por esses periódicos.
Outra questão, correlata, está no marketing, a assumir gradativamente o comando das linhas editoriais, vem presidindo o fim dos departamentos de literatura em editoras. É o que me contam amigos editores.
Com o fim, por exemplo, do departamento de literatura da editora Ática, pessoalmente sinto nostalgia: na escola, algumas edições da série Para gostar de ler foram fundamentais para me interessar mais por literatura brasileira.
Em termos coletivos, este é mais um sinal da retração da literatura que vem nas gigantescas editoras especializadas em infantojuvenis, que se concentram nos livros didáticos, em geral de maior tiragem. A suspensão das compras governamentais é um fator importante dessa crise, e a forma como a gestão nessas grandes corporações é estruturada é outro fator.
Nesse ponto temos outro fator de estreitamento da literatura na cena pública, mas há  outros. O ódio à educação, exceto como oportunidade de negócios (venda parcelada de diplomas, compra de autorizações, promessas e programass eleitoreiros), é uma das características fundamentais da elite brasileira, que é, ela mesma, pouco educada, o que foi tema de artigo recente de Matias Spektor (https://www.google.com.br/amp/m.folha.uol.com.br/amp/colunas/matiasspektor/2016/12/1843582-a-formacao-da-elite-brasileira-patina-e-condena-o-pais-ao-atraso.shtml).
O espancamento de professores e alunos pelas polícias comandadas pelo PSDB em São Paulo e no Paraná,  pelo PMDB no Rio de Janeiro,  pelo PT na Bahia, e em outras partes do país,  mostram que se trata de uma questão suprapartidária. Os projetos de "escola sem partido", leis da mordaça, correspondem a outra feição desse ódio, bem como a lucrativa (para outros) entrega de escolas públicas para organizações sociais.
Esse ódio, claro, afeta a literatura. E a grande imprensa o fomenta, seja atuando como assesoria para as medidas do grupo que tomou a presidência da república (como a estupidez da reforma do ensino médio), seja emprestando seu megafone, sem contraponto algum, a figuras que nada entendem do assunto, como o ex-ministro do STF e da Defesa (entre outras funções públicas, inclusive a de alterar o texto da assembleia nacional constituinte: http://m.migalhas.com.br/quentes/187605/historia-dos-artigos-da-constituicao-que-nao-foram-votados), que recentemente deu uma longa entrevista atacando as universidades públicas. Também nesses momentos a imprensa se apequena.
Por pudor, não cito a matéria . Se essas instituições desaparecessem amanhã,  e ficássemos apenas com os grandes conglomerados privados que angariaram o título de universidades (muito incentivadas na penúltima e na antepenúltima administrações federais), além do corte gigantesco na produção acadêmica nacional, teríamos o desaparecimento de várias áreas do saber, menos lucrativas para esses conglomerados,  seja por exigirem mais investimentos,  seja pelo menor número de clientes.
Uma das áreas afetadas seria exatamente a Literatura, que tem diversos centros de destaque nas instituições públicas.
Creio que uma resposta possível a esse quadro seria o engajamento dos escritores, nessa condição de artistas, contra esse quadro de estreitamento e seus fatores.

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