O jornal português Postas de Pescada, editado por Ana Biscaia e Emanuel Carneira em Coimbra, pediu-me um pequeno artigo sobre a situação política no Brasil. Resolvi escrever sobre a eventual (no artigo, futura) queda de Michel Temer.
Foi publicado à página 10 do número 10 do jornal, de dezembro de 2016. Como sempre, basta clicar sobre a imagem para ampliá-la, ou abri-la em outra janela.
De interino a provisório? Michel Temer na presidência do Brasil
No Brasil, após o impeachment de Dilma Rousseff, reeleita em 2014 pelo Partido dos Trabalhadores (PT), seu vice, Michel Temer, do Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), assumiu a presidência. Tão ínfimo como poeta quanto estadista, está em posição frágil: os mesmos parlamentares que o entronizaram podem derrubá-lo, seja com as mesmas alegações de irregularidades orçamentárias que derrubaram a presidenta, seja com os escândalos do novo governo, cujo ministério foi majoritariamente escolhido entre suspeitos, investigados e réus. Ele pode ser cassado também pelo Tribunal Superior Eleitoral, se for julgada a ação de irregularidades das contas eleitorais de 2014.
As evidentes ilegitimidade e incapacidade de Temer fazem que evite aparecer em público, apesar da proteção que ainda vem recebendo de grandes meios de comunicação.
Nas duas arenas, a do sistema político e a das ruas, ele está acuado. Dilma Rousseff caiu após perder ambas, mesmo tendo se inclinado para a direita. As concessões ao latifúndio e a outros grupos conservadores eram defendidas pelo PT como condições de “governabilidade”, tão eficiente que fez o partido perder o governo.
Outro fator que torna improvável a permanência de Temer é a previsão constitucional de eleições indiretas se ele cair durante os dois últimos anos do mandato. Elas poderiam levar ao poder um nome do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), derrotado em 2014, que hoje participa do governo.
A derrubada não viria de divergência ideológica, mas da disputa pelo saque do que é público ou comum. Temer adotou a agenda da plutocracia, com desmanche dos direitos sociais, acelerando o que o PT já estava a fazer. O Congresso segue pauta idêntica, com projetos para congelar por vinte anos investimentos sociais, cortar direitos trabalhistas, espoliar terras indígenas e de comunidades quilombolas, e anistiar crimes econômicos e eleitorais, em reação das elites às investigações da Operação Lava-Jato.
Essa Operação levou à prisão de grandes empresários que há anos corrompiam e financiavam a elite política. Inicialmente atingiu o PT, chegando a ponto da divulgação na tevê de telefonema entre Rousseff a Lula, gravado ilicitamente, em momento de espetacularização da Justiça. Agora, ela ameaça outros partidos.
A realização de eleição indireta para a presidência, a primeira desde a ditadura militar, dispensaria a atuação das Forças Armadas? Em algum momento elas seriam necessárias para a repressão: embora certos grupos (como o “Movimento Brasil Livre”, MBL) que organizaram as manifestações contra Rousseff sejam financiados pelos partidos que estão no poder, é certo que as ruas reagiriam a esta nova cassação do povo brasileiro.
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
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