O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

"Não acordaste. O sonho/ te levou ao não ser,"

A Daniel Souza Luz, serenamente.




Não acordaste. O sonho
te levou ao não ser,
ou mostrou-te a ti mesmo
irrevogavelmente?

Não acordaste. O sonho
continua, ou findou,
e és tu quem prossegue
indefinidamente?

Não acordaste. O sol
negou-se a ti, ou foi
roubado por teu sono
cosmoilogicamente?

Não acordaste. O sonho
repudia agora o sol,
revê o firmamento
mas eclipsadamente,

ou agora é o sono
a ocupar os planos
terrestres e celestes
anticonscientemente?

Não acordaste. E estavas
ao meu lado. Este lado
meu também virou sonho,
ou a vigília mente?


Rascunhei o poema antes de dormir. Não este, o outro, que perdi. Dentro de algum livro. Reescrevi na semana seguinte. Falhei, acabei produzindo algo diferente. Afinal, não se acorda o mesmo, aquele que recebeu o sono extraviou-se irrevogavelmente durante o sonho. Não tive do que acordar, exceto da perda. Aquele que sofreu a perda também é um outro em relação àquele que a ela sobreviveu. O eu que sonhou, diferente do que adormeceu, se extraviará quando vier o momento de despertar.
Perdi o poema ao acordar. Ele também nunca mais será o mesmo. Reescrevo.

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