O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

"O vírus avisou. E daí, respondeu o verme"

O vírus avisou. E daí,
respondeu o verme, sem ouvir,
e daí

se a cada passo que dou
a terra enojada recua
e assim as valas se abrem,

pois a cada passo que dou
os demônios temem o peso da terra,
encolhem-se, o solo cede
e assim as valas se abrem,

considerando que a cada passo que dou
sementes de motosserra
caem em forma de cruzes,
as árvores fogem para outro céu
e assim as valas se abrem,

portanto, tendo em vista que a cada passo que dou
também posso discursar,
já aprendi a cair e gritar ao mesmo tempo,
e a terra atemorizada
imita a abertura da minha boca
e assim as valas se abrem,

ademais, no tocante à questão de cada passo que dou
continuo a cuspir, serei capaz
de salivar e pensar ao mesmo tempo,
é uma das metas do governo,
se tenho fome eu salivo,
se tenho nojo eu cuspo,
pensar acontece com outro estímulo,
vamos descobrir qual, mas não sei se é necessário,
com meu estímulo
as valas se abrem
sem que a terra precise pensar.

Cada passo do verme
confisca as rotas da vida.
Valas precisam abrir-se.
São as novas rodovias da política.

E se não abrirem, e daí?
Eu governo para todos.
Cachorros gostam de ossos.

Ele não gosta de ossos.
Verme, prefere
a matéria que os cobria.

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