O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

"O vírus avisa: o golpe de Estado tem falta de ar"

O vírus avisa: o golpe
de Estado tem falta de ar,
embora grite pelo golpe,
embora governe o Estado,
faltando-lhe ainda o golpe
de ar que talvez
restabelecesse o equilíbrio
enquanto oscila
entre o aplauso e o muco.

(Crianças brincam de esconde-esconde
dentro de valas abertas.
Brincarão muito tempo, não serão fechadas agora.
Os coveiros foram internados.)

O vírus avisa: o golpe
de Estado cambaleia,
embora assentado
no palácio, embora
entronizado no grito
que prolifera como tumor
da fala e reverbera
agora entre a tosse
e o aperto de mão.

(As valas brincam de esconder
dentro das crianças. Contam o tempo
para sair à procura.
Os coveiros florescem.)

O vírus avisa: a apneia,
política; a política, apneia
e também a saliva
que pinga nos cidadãos
durante o discurso do urro
e a política da bala,
enquanto chorume e coriza
fundem-se no multitudinário
colapso funerário.

(O tempo brinca de coveiro
dentro de todos. Brinca de criança
dentro da vala.)


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