O vírus avisa: não há
vírus, e, por isso,
ele causou poucos
efeitos, efeito algum,
comprova-o o pequeno
número de mortos,
pequeno pois menor
do que os milhões esperados,
embora ninguém esperasse
que o vírus inexistente
surgisse deste jeito,
mas felizmente ele não
apareceu, não seriam
tão poucos milhões
os infectados
se ele existisse realmente,
e como o vírus avisou
que ele mesmo nonato,
podemos sair em carreatas,
trocar buzinadas e fluidos,
ameaças de morte
aos comunistas, eles são
inimigos da infecção
que não existe e assim
são nossos inimigos,
e assim vamos para as praças
bradar promessas de extermínio
dos comunistas, eles
querem saúde para todos,
e não prestações módicas
para os planos módicos,
e não seringas desinfectadas
para os que pagam o plano
golden, com direito a lençóis
limpos, cuidar neste telefone
do agente contratado
pela assessoria do ex-deputado
agora ministro, quem sabe
um dia presidente, e,
com um acréscimo,
ainda se poderá
adquirir a versão
mais ampla, com direito
a transfusões só com
doadores compatíveis.
O vírus avisou: não há
vírus, por isso devemos
lotar as igrejas, de lá
virá a cura para o vírus
que não há, jamais infectou
a nós, que, agora, carregados
para o hospital e entubados
com os pulmões obedecendo
à máquina e ignorando
as ordens do corpo,
eis a virtude cristã,
o corpo agora tomado
pelo que nunca existiu,
e correndo em coma
para a meta de nunca
mais caminhar, depois
do falso ataque de pânico
que era mera incapacidade
de respirar, na asfixia
temos a fé mais profunda
na vida futura, deste vácuo
tornado organismo
edificamos as igrejas,
agora lotadas,
pois delas virá a cura,
negada pelos que afirmam
que o vírus existe, a cura
difamada pelos comunistas,
que insidiosos insistem
que existe outra doença
além do comunismo,
um estado psíquico alterado
que prefere a saúde
aos planos de saúde.
Ele avisou, nele confiamos.
Quisera fazer-nos mal,
ele existiria, contaminaria
a todos, ocuparia o palácio
até o país todo apodrecer
com ele mesmo no centro
dos gases fétidos
que substituíram a atmosfera.
Alertado pelo vírus, decreto
que todos devem circular,
esbarrar-se, comprimir-se,
rolar, lamber, saltar uns
em cima dos outros
nas ruas livremente,
as contas estrangeiras dos patrões
não permitem que o país pare
de rolar, esbarrar, comprimir,
saltar patrioticamente em cima
de todos vocês, exceto
do vírus, afinal, ele não existe.
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
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