Waltercio Caldas é um de meus artistas preferidos. Lembro-me especialmente de uma exposição, na década de 1990, de seus Livros no MAM do Rio de Janeiro, simultânea a uma enorme exposição de Picasso. O público acorria numeroso para a segunda, não para a primeira, o que me permitiu ver/ler com muita calma. Um desses livros, atravessava-o uma bala [na verdade um olho, veja os comentários]. Outros eram apenas equilíbrio, mais do que matéria. No lirismo de Voo noturno , o livro era voo, não pássaro. E lá estava uma provocadora reinterpretação de Velásquez.
Percebi de pronto como a poderosa poética de Picasso pertencia então ao passado.
Nesta pequena entrevista (aqui disponível: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/787698-contradicao-corroi-as-bienais-de-arte-diz-artista-waltercio-caldas.shtml), Waltercio Caldas toca em problema que afeta a literatura também: o desconhecimento da história da arte. Quem nunca viu algum jovem escritor orgulhoso de não ter lido, por exemplo, Clarice Lispector, Balzac, ou - para lembrar da teoria - Aristóteles? Há quem desdenhe por não poder comprar.
É belo também que ele diga que o mundo tem complexidade suficiente para incorporar um trabalho como o dele, que não explora a cor local. Existem críticos, no entanto, que têm muitos complexos e quase nenhuma complexidade, e não aceitam que o mundo tenha uma visão mais larga do que eles mesmos.
Waltercio Caldas tem um sítio na internet: http://www.walterciocaldas.com.br/. Nele foram incluídos textos críticos, inclusive de Adolfo Montejo Navas.
No meu primeiro livro, há um poeminha que dediquei a esse grande artista brasileiro, uma pequena nota lírica.
um livro com todas as páginas iguais
não: um livro com todas as páginas iguais, porém apagadas
isto é: um livro com todas as páginas iguais, todas apagadas, mas em diferentes graus de esvaecimento
o grau de esvaecimento é o grau de página
ou seja: o livro
mais rico quanto maior o esvaecimento
mais vário quanto mais idênticas as páginas
e maior se de todas escolher uma só
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
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olá, pádua. o livro atravessado com uma bala não é do nuno ramos? ou o waltércio também tem um assim? abraços!
ResponderExcluirOlá, Victor; acabo de redescobrir seu blogue.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário. Você está certo, Nuno Ramos tem um livro assim. O de Waltércio Caldas é atravessado por algo que não é para ser uma bala, mas um olho: "É= (o espelho) um véu?"