O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Gentileza e Rio de Janeiro
Os profetas, historicamente, traziam mensagens para o futuro. Como o futuro parece bloqueado (lembrar de Drummond no "Áporo") ou adiado, ou - quem sabe? - não é mais compatível com o gênero profecia, vários profetas recentes dedicaram-se a proclamar o passado.
Antes de que pensem nos fundamentalismos vários, que inventam passados a seu bel prazer, lembro do Profeta Gentileza, de nome profano José Datrino (1917-1996). Sua mensagem central, "Gentileza gera gentileza", claramente reflete um Rio de Janeiro que não existe mais - ou, se nunca existiu (sabemos da ilusão do tropos da "cidade maravilhosa"), agora deixou até mesmo de ser imaginável.
Pode-se dizer que a dimensão escatológica não faltava ao Profeta, ao denunciar o "capetalismo" e pregar o amor à natureza. Havia algo de novo sob suas barbas vetustas.
A partir de 1980, ele fez várias inscrições (como a que podem ver acima) nas pilastras do Viaduto do Caju. Dessa forma, as mensagens do Profeta Gentileza transformaram-se em patrimônio da cidade do Rio de Janeiro. As instituições, em princípio, tentaram ignorá-las ou lutar contra elas: a COMLURB chegou a apagar inscrições.
A sociedade reagiu, inclusive por meio da música (Gonzaguinha, Marisa Monte); o poeta Sérgio Alcides dedicou um poema a Gentileza. Enfim, o projeto Rio com Gentileza (http://www.riocomgentileza.com.br/index-1.html) decidiu recuperar a obra.
Há um blogue com várias imagens do que Gentileza deixou: http://profetadegentileza.blogspot.com/ Mas, principalmente, além da obra, há o livro de Leonardo Guelman (o autor coordenou o projeto mencionado), Univvverrsso Gentileza, publicado pela Eduff.
É necessário continuar o projeto de preservação: algumas das inscrições estão muito deterioradas. A foto acima, que tirei no dia 7 de setembro de 2010 perto da Rodoviária Novo Rio, mostra um exemplo de má conservação.
Está, porém, o patrimônio cultural na agenda política dessa cidade? O que significa preservação em uma cidade cujos prefeitos tentam ilegalmente descaracterizar até mesmo bens tombados da magnitude do Parque do Flamengo?
Apenas para lembrar, o Parque de Lotta Macedo Soares e Burle Marx foi alvo de Cesar Maia, e, atualmente, é presa de Eduardo Paes, seu sucessor e continuador em tanta coisa (trata-se de uma longa história: ver em http://parquedoflamengo.blogspot.com/ e, com outras ameaças, http://soniarabello.blogspot.com/2010/09/monroe-uma-licao.html).
Pode o Rio ainda gerar gentileza e aquele tipo de patrimônio? Ou, em franco declínio autofágico, somente será capaz de gerar mais dirigentes como esses?
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