Como estou em Buenos Aires desde segunda-feira, pude encontrar autores cujos livros não estão disponíveis no Brasil. Aqui, nestes esboços de tradução, uma brevíssima amostra.
Jorge Boccanera (Bahía Blanca, 1952), do livro Palma Real (Buenos Aires: Ediciones Continente, 2009).
XXX
A prova de que deus existe
é a selva
feita a mão.
A prova de que a mão existe
é a selva.
A prova de que a selva existe
é a ausência de deus.
Emiliano Bustos (Buenos Aires, 1972), do livro gotas de crítica común (City Bell: De la Talita Dorada, 2011).
Montoneros
Quanta distância: do exército Libertador
à igreja. Do exército Libertador
ao exército Libertador. À igreja. Tinha que
ver a pátria de forma flutuante, sobre
os cadáveres e toda a semeadura marcante
de 55. Todos os pais, que odiavam Perón,
fizeram-nos mais peronistas do que qualquer dado
fático. Os anos de restrição e silêncio foram
os anos de mistério infinito, de doutrina. Como
um grande ator submergido nas poderosíssimas
águas da distância, os líder lhes foi desenhando
uma autoestrada moral verdadeiramente de gelo:
a juventude maravilhosa. Talvez grandes colégios
e universidades e famílias quebrassem seus cofrinhos
derramando o melhor, mas é impossível que tantas
ovelhas negras saíssem de um só rebanho. Há ovelhas
negras em toda parte, porém baixam das colinas
com diferentes estilos e dialetos. O exército
Libertador esperou-as abaixo e subiram juntos;
em todas as revoluções em todas as épocas.
Mas talvez isso fosse simplesmente uma rebelião
de pais contra filhos. Isso e muito mais. Porque
o movimento tinha desenhado tantos círculos que
em pistas diversas dançavam as classes como planetas
beneficamente instalados na consciência agrária
das coisas justas. A juventude maravilhosa.
Entre o 55 e o 70 o molde do peronismo
futuro, presente passado. Que peronismo?
Em qual dos peronismos foram
amadurecendo esses quadros? Por ordem de ninguém
embora tacitamente combinados se reuniram ao grande
exército Libertador, e acreditaram, secretamente, na
igreja, nos militares e em seu líder, furiosamente
obsequiado. A juventude maravilhosa. Morreram
pobres todos os que morreram, os que caíram
caíram, mas intrigam ainda as traições
de dentro e de fora formando uma coluna
que ainda não foi expulsa da Praça.
Alejandro Crotto (Buenos Aires, 1978), do livro Abejas (1a. reimpr., Buenos Aires: Bajo la Luna, 2012).
Carregada
Inteiramente grávida avança na primeira luz do dia.
De repente para
e tensa agarra-se com as mãos, olha o céu,
bufa várias vezes.
Forte, carregada,
retoma decidida seu caminho
e no qual passa sua iminente queda.
Mariel Manrique (Buenos Aires, 1968), do livro Cómo nadar estilo mariposa (Buenos Aires: Paradiso, 2011)
O salto
XL
"... segundo o perito médico forense que intervém na causa, os trabalhos de identificação avançam lentamente, dado o tempo de transcorrido entre a data provável do óbito (devido à asfixia por imersão) e a descoberta do corpo entre as pedras da costa, assim como o ataque do corpo pelas distintas espécies de peixes que costumam estar na mencionada zona marítima ... fontes confiáveis indicam que corresponderia a uma mulher de meia-idade e estatura mediana ... encontraram-se restos de uma calça jeans e uma camisa brança aderidos à estrutura óssea ... assim como grossas mechas de cabelo escuro ... e um anel de prata com as iniciais apagadas ..."
nado nua.
tenho a cabeça raspada e uma comprida cauda animal.
não sou essa mulher de que falam.
Gabriel Reches (Buenos Aires, 1968), do livro es el fin del mundo, tía Berta (Buenos Aires: Bajo la Luna, 2012).
Chegamos até aqui e foi demais
devemos agradecer pela emoção
de molhar a palha do ninho
não chores, tia Berta
no incêndio do campo o fogo é nosso
que inveja dos hermanos, caudalosa boa poesia -- e publicada!!! Adriana de Oliveira
ResponderExcluirPrezada Adriana de Oliveira,
ResponderExcluiracho a poesia argentina contemporânea mais interessante do que a brasileira.
Abraços,
Pádua
Pádua,
ResponderExcluirvejo que você leu o livro de Alejandro Crotto em Buenos Aires. Parece-me um dos mais belos
livros de poesia lírica dos últimos anos. Fiquei feliz com sua tradução. Tenho ensaiado
um ou outra aqui, para a Modo de Usar.
Domeneck
Obrigado Ricardo. Fico esperando sua tradução.
ExcluirDescobri há pouco esta leitura de poema de Alejandro Crotto, por Ezequiel Zaidenwerg, para a Modo de usar:
http://www.youtube.com/watch?v=He7rKFW6zNM