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O poeta não bebia,
isso não seria digno;
seus versos são de família,
era metáfora o vinho.
O poeta não foi sórdido,
rimas não nascem da lama,
mas dos ternos de negócio
que os versos vestem na cama.
Ordem! Progresso! Bandeira!
O amor não está inscrito,
foi banido na fronteira
com os outros clandestinos.
No poema a vida privada
quis entrar sem passaporte,
irão de novo interná-la
porque bebeu outra dose.
O poeta, sempre casto,
assim os herdeiros dizem;
mais ninguém pode estudá-lo,
até voltou a ser virgem.
O poeta não mordia,
com ele, nada de lutas,
sua boca era só língua,
e ele lambia a censura.
Que ninguém diga o contrário,
herdeiros vivem da imagem;
se os versos não pagam ágio,
que então eles se apaguem.
Com a morte do poeta,
estrelas cadentes brilham
e deixam a noite cega
e fazem, da luz, ruína.
A morte ofende os herdeiros,
disso não se fala mais,
faleceu só para o efeito
dos direitos autorais.
Não entendem que a falência
é seu legado, afinal.
A biografia que deixa
nasce do ponto final,
fala do primeiro fôlego
com que inaugurou o mundo
e segue no passo trôpego
que o fez cair tão fundo
para descobrir no abjeto
o que sua voz moveria:
na asfixia, disse o verso;
no acidente, a própria vida.
(– biografia do acidente
– registro livre da queda
– voz que canta com os dentes)
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
BRAVO!!!
ResponderExcluirPádua, sua poesia é cerebral, precisa, refinada. Ou refinados são os temas delas. A ironia é amiga sempre, pelo que vi até agora. Saudades de frequentar o blog; valeu a pena a visita de hoje. Abraço, Adriana
ResponderExcluirObrigadíssimo. Eu gostaria de escrever a "voz que canta com os dentes". Abraços, Pádua
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