Personagens:
A - Uma senhora, casada com C.
B - Interlocutor imaginário; pode ser representado por um inseto, mas com direito de voto; ou seja, um cidadão comum.
C - Um senhor que atingiu a idade do voto facultativo.
Local:
Apartamento em um condomínio de região de classe média de uma metrópole brasileira.
Diálogo:
A - Votei no Aécio!
B - Por quê?
A - Parece que está na frente. Não acredito que a Dilma esteja vencendo. Não conheço ninguém que vote na Dilma. Só vota nela quem depende de bolsa família. Eu não dependo do governo para nada.
B - Se você acha mesmo que os seus conhecidos do condomínio representam o eleitorado nacional...
C - Quem depende de governo é corrupto. E quem depende de governo corrupto é pior ainda. A gente tem que limpar o Brasil. Mas o pessoal dos direitos humanos é contra a pena de morte...
A- A tevê é que inventou a Dilma na frente. Porque me disseram que a tevê está devendo impostos. E aí teve que apoiar o governo.
B - Se você acha isso, por que deixa a tevê vinte e quatro horas nesse canal?
A - E a Dilma ganhou mensalão. Tem que votar contra.
B - O mensalão foi criado pelos tucanos mineiros. Se você é contra, por que votou num tucano mineiro? Aliás, se você só vê esse canal, por que não viu o último debate?
A - Vê se eu vou perder tempo vendo debate. Não sou alienada. Eu tenho convicções!
C - Não vejo nada. É tudo ladrão mesmo. Não voto mais em ninguém.
A - Você votou em quem?
B - Na Luciana Genro.
A - Nem sei quem é. Jogou o voto fora. Ela não vai ganhar.
B - Eleição não é aposta no jóquei.
A - Jogou o voto fora. Foi derrotado.
C - Nessa é que não dá pra votar mesmo. Ela está errada desde o nome. Ela tinha que ser nora, como é que vai se chamar Genro?
B - É uma observação muito inteligente sobre as posições políticas dela. E sobre o partido. Uma mulher no poder faz você se sentir castrado?
[Pausa]
A - Não tinha deputado para votar.
B - Como não? São centenas de candidatos para o Legislativo! Olhe aqui no guia do jornal.
A - Para deputado federal, o C me deu hoje o número: [um número pela redução da maioridade penal]. Deputado estadual, não tinha ninguém, eu estava descendo de elevador para votar, aí uma vizinha de baixo me deu a cola com o número do patrão dela na [uma O.S.] em que ela trabalha. É deputado estadual.
B - Mas qual é o partido dele?
A - Não sei, acho que o PT. [a personagem A despreza, porém, o PT]
B - O PT nem governa o Município...
C - Ah, mas eles sempre dão um jeitinho de ficar com as bocas.
B - Deixe-me ver... É do PSDC!!! É um dos partidos teocráticos! [a personagem A despreza também o catolicismo e as outras religiões cristãs] Como é que você viu isto aqui e leu PT??? [a personagem A já foi alfabetizadora]
C - Os petistas estão em toda parte mesmo. Por isso é que criaram essa coisa de política de cotas. Eles vão criar cotas de petistas em todos os partidos. Já devem ter criado. Vê essa Marina. É uma petista, não engana ninguém. É óbvio que ela vai apoiar a Dilma, já estava tudo combinado. Se for para o segundo turno, ela vai renunciar alegando alguma bobagem de meio ambiente poluído, que não dá para fazer campanha. É golpe. Estava tudo armado para o golpe.
A - Gente, não acredito que o [ex-jogador de futebol] tenha tanto voto.
C - É uma vergonha. Ele está ligado ao crime. Veio da favela. Tudo por causa do futebol. Futebol é alienação.
B - Alienação? Em casos como o seu, que fica o fim de semana todo vendo futebol na tevê.
A - Ele é criminoso?
B - Isso é um problema para você? Não parece. O candidato a deputado federal em que você votou, indicado por C, da bancada da bala, é corrupto e tem mais de trinta inquéritos nas costas.
[Pausa]
C - Não estou falando de corrupção, mas de crime mesmo, crime de verdade, que mata.
[O inseto some para uma outra dimensão]
A - O Zé Povinho não sabe votar mesmo. Olha só quem está na frente! É a plebe ignota. Gente preguiçosa, o pessoal não é empreendedor.
C - Este país não tem jeito mesmo. Está tudo corrompido. Eu é que não saio mais para votar. Bom tempo o da Revolução, não tinha crime, não tinha corrupção, quem era direito tinha liberdade.
[Pausa; ouvem o filho acordando]
C - Está acordando. Ainda vai dar tempo de votar.
A - Acho que neste ano o Cidinho vai passar para a universidade estadual. Ele está com foco.
C - Ele já tem quarenta anos.
A - É, mas só há uns cinco a gente está pagando cursinho.
C - O problema é esse pessoal de cota. Quem é de cota não podia entrar em universidade pública.
A - Tudo vagabundo.
C - Vagabundo. Por isso o país está assim.
A - Só poderia votar quem vota consciente.
C - Levanta, Cidinho!
O palco e o mundo
Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".
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