O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras. Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem".

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

"este país não pertence/ ao futuro: os mosquitos agora/ cobrem a cidade"

As pessoas que acompanham meus livros de literatura sabem que a saúde pública é um tema constante na poesia e na prosa. Preocupam-me, por exemplo, os problemas de epidemiologia, matéria que não pode ser resolvida pela saúde privada e tem sofrido especialmente nos últimos anos com a série de governos privatistas no âmbito federal e também em diversos Estados e Municípios.
Vendo as consequências atuais da cabeça pequena dos governantes, toda dedicada a grandes lucros de empresários do setor e aos ainda maiores prejuízos da população em doença, mutilação e morte, lembrei de um pequeno poema que fiz, o inicial da primeira parte dos Cinco lugares da fúria, que saiu pela Hedra em 2008.
A maior parte das pessoas que escreveram sobre esse livro (como Fábio de Souza AndradeGustavo Dumas, Marcelo Coelho) destacaram um poema que era uma fala de um cupim, mas o livro começa com os mosquitos e a doença, ou seja, sob o signo da peste. Ou seja, aquele sob o qual vivemos.
A imagem da capa, parte de um impressionante quadro de Isaumir Nascimento, parece encarnar esses tempos. Deixo-a para o fim, como se faz com a melhor parte.




Ventre seco dos calendários

 
de que futuro é este país
ignoro, mas também o mosquito
em seu voo ignora qual pele
vai picar;

este é o país, de que futuro
ignoro, mas também a malária
no ventre do inseto não sabe onde
brotará;

não sei a quem pertence o país,
ao futuro? como a epidemia
às drogas das corporações trans-
nacionais?

(de onde vem a cidade? da febre
ou da picada? apenas do vírus
ou da decomposição? quem dela
nascerá?

ou do cruzamento entre a infecção
e a artéria nascerá novo sangue
que sairá do corpo para o fluxo
do final?)

de fato, este país não pertence
ao futuro: os mosquitos agora
cobrem a cidade, mas o sangue
secou.





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