O palco e o mundo


Eu, Pádua Fernandes, dei o título de meu primeiro livro a este blogue porque bem representa os temas sobre que pretendo escrever: assuntos da ordem do palco e da ordem do mundo, bem como aqueles que abrem as fronteiras e instauram a desordem entre os dois campos.
Como escreveu Murilo Mendes, de um lado temos "as ruas gritando de luzes e movimentos" e, de outro, "as colunas da ordem e da desordem"; próximas, sempre.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Indignação na Europa: Democracia real na França



No feriado nacional francês da Queda da Bastilha, o 14 de julho, não fui assistir ao tradicional desfile militar - não aprecio esse tipo de pompa, mesmo se decadente, o que é o caso desse país: no dia anterior, com a crise do euro, os jornais diziam que a França já não tinha os recursos militares para suas ambições políticas - felizmente, devemos dizer).
Eu não conhecia o movimento Réelle Démocratie, tampouco a agenda alternativa da região parisiense, a Démosphère. O acontecimento estava lá previsto.
Andando pela rua de la Roquette, em direção ao cemitério do Père-Lachaise, cruzei com uma marcha dos indignados franceses. Eu estava com Fabio Weintraub, que gravou um vídeo do começo da manifestação, que pode ser assistido no YouTube.

Os cartazes pediam "Democracia real" (Démocratie réelle). Também havia militantes da libertação da Palestina, vestidos com verde. O que gritavam? Paris, debout, soulève-toi! (Paris, de pé, rebela-te).
Abaixo, pode-se vê-los em frente à Ópera da Bastilha, de onde foram expulsos em 11 de junho deste ano. Em 14 de julho, foram cercados por policiais.
Retornaram, porém ao logradouro em frente ao da Ópera da Bastilha, e seguem acampados. Alguns de seus cartazes, pude vê-los em protestos em São Paulo, como Aucun être humain n'est ilégal. (Nenhum ser humano é ilegal.) Outros, não, como Tu la sens l'insurrection qui vient? (Tu a sentes, a insurreição que vem?), obviamente inspirado em Tiqqun, e Je pense donc je gêne (Penso, logo incomodo). Aqui e lá, temos a insatisfação com a democracia indireta e os partidos políticos.
Porém, mais forte do que Tiqqun parece ser, neste momento, o chamado que Stéphane Hessel voltou a colocar na ordem do dia: Indignai-vos. Para quem ainda não leu o texto, já traduzido para várias línguas, lembro que se trata da voz de um resistente francês da Segunda Guerra Mundial conclamando a que se saia da indiferença diante da ditadura do mercado dos dias de hoje, com um apelo normativo à Declaração dos Direitos Humanos aprovada pela ONU em 1948 (ele participou da elaboração do projeto da Declaração) como direitos universais (seguindo René Cassin) e não meramente internacionais.
Ele crê (e há exemplos disso, vários, na história) que uma minoria de indignados pode levar a mudanças, convencendo a maioria. Pelo que vi na França, essa minoria não chega ainda à dimensão da espanhola.





Acredito que a imaginação política da resistência precisa ainda estar à altura do momento de crise. Em outro momento histórico, na França, certo deputado teve a ideia de afirmar, e a teoria para justificar, que o Terceiro Estado era a nação, e que ele detinha o poder constituinte. Essa ideia permitiu dar forma à indignação e às demandas concretas do povo francês (sem essas demandas, claro, a imaginação seria infrutífera).
O momento foi o da Revolução Francesa, e esse homem foi Sieyès, que foi um dos que fui visitar no cemitério Père-Lachaise (o túmulo de Jim Morrison continua sendo mais frequentado, porém). Traduzi dele o discurso com que defendeu seu projeto da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. Os indignados franceses de hoje precisam também daquela imaginação - ela é o que dá forma ao novo.

Um comentário: